Três estatais da China expandem sua presença nos campos do pré-sal e já respondem por 6% da produção nacional de petróleo. O avanço chinês revela uma estratégia que combina retorno financeiro e segurança energética, consolidando a parceria com a Petrobras e transformando o Brasil em peça-chave do tabuleiro global de energia.
A presença da China no setor de petróleo brasileiro nunca foi tão expressiva. Em poucos anos, as estatais chinesas triplicaram sua fatia na produção nacional, passando de 2% em 2021 para 6% em 2025. O avanço confirma a consolidação de uma estratégia de longo prazo que alia investimentos bilionários, segurança energética e aprendizados tecnológicos.
Atualmente, três grandes companhias estatais chinesas — CNPC (China National Petroleum Corporation), CNOOC (China National Offshore Oil Corporation) e Sinopec — participam de consórcios estratégicos com a Petrobras, operando em campos de alta produtividade no pré-sal, como Búzios, Mero e Tupi, na Bacia de Santos.
Com esse movimento, o país asiático se torna o terceiro maior parceiro estrangeiro na produção de petróleo do Brasil, atrás apenas do Reino Unido e da própria Petrobras.
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A dependência energética da China e o olhar estratégico sobre o Brasil
A importância desse avanço vai além do lucro. A China é o maior importador de petróleo do mundo, consumindo cerca de 16 milhões de barris por dia — volume quase igual ao dos Estados Unidos. Contudo, sua produção doméstica, de 4,2 milhões de barris diários, cobre apenas uma fração da demanda.
Essa diferença obriga Pequim a buscar novas fontes estáveis de fornecimento. O Brasil, com reservas robustas no pré-sal e estabilidade política relativa, aparece como uma aposta estratégica. Segundo dados recentes, 44% das exportações de petróleo brasileiras em 2024 tiveram como destino a China, o que demonstra a interdependência crescente entre os dois países.
Petroleiras chinesas ganham força e diversificam operações no pré-sal
A produção chinesa em águas brasileiras alcançou 221,7 mil barris por dia em agosto de 2025, equivalente a 5,7% da produção total. Embora o percentual ainda pareça modesto, a taxa de crescimento impressiona. Em apenas quatro anos, as empresas da China triplicaram sua participação — e sem pressa, priorizando qualidade e longevidade dos campos.
No megacampo de Búzios, a CNOOC e a CNPC detêm juntas 11,1% de participação, com 7,4% e 3,7%, respectivamente. A Petrobras continua como operadora majoritária, mas as companhias chinesas têm papel estratégico na operação, acompanhando de perto a tecnologia de extração em águas ultraprofundas.
Enquanto isso, a Sinopec atua de forma distinta: investe por meio de joint ventures com empresas europeias. No campo de Tupi, por exemplo, participa ao lado da portuguesa Galp, com 30% da joint venture responsável por 10% do campo. A Sinopec também está presente em outras 11 áreas menores, consolidando presença em cerca de 35% dos campos do pré-sal brasileiro.
“Mandato duplo”: a estratégia que mistura lucro e segurança energética
O consultor Rivaldo Moreira Neto, diretor de infraestrutura da Alvarez & Marsal, define a estratégia chinesa no Brasil como um “mandato duplo”. Segundo ele, as estatais da China buscam rentabilidade financeira e segurança de acesso ao petróleo — dois pilares que norteiam os investimentos do país.
“Claro que a China busca rentabilidade, mas com um mandato duplo”, explica Moreira. “De um lado, retorno financeiro; de outro, segurança de acesso ao petróleo.”
Essa abordagem explica por que as companhias chinesas priorizam megacampos de produção contínua, capazes de garantir fornecimento por décadas. Ao concentrar esforços em ativos como Búzios e Mero, a China assegura suprimento estável e aprendizado técnico em regiões de alta complexidade operacional.
O papel da Petrobras e a parceria tecnológica com os chineses
A Petrobras mantém posição de liderança em todos os grandes campos do pré-sal, mas vê na China um parceiro estratégico. As empresas chinesas, embora minoritárias, participam como não operadoras, o que significa que observam e aprendem os processos sem comandar a extração.
Para o setor, essa postura é um indicativo claro do interesse chinês em adquirir know-how em exploração offshore. “O pré-sal é uma província muito particular. Não é trivial chegar num país novo e operar campos dessa complexidade”, afirma Rivaldo Moreira. “Eles são bons em aprender. Estão aqui para entender, e depois aplicar o aprendizado em outros lugares.”
A estratégia é semelhante à adotada pela China na indústria automotiva nas décadas de 1980 e 1990, quando exigia joint ventures com montadoras estrangeiras. O resultado foi um salto tecnológico que transformou o país no maior produtor de veículos elétricos do mundo — e o mesmo caminho parece se repetir no setor de energia.
De aprendiz a protagonista: como a China quer dominar o petróleo do futuro
O envolvimento chinês na indústria do petróleo não se limita ao Brasil. Globalmente, as estatais chinesas estão entre as maiores investidoras em novos campos e tecnologias de extração. Mas é no pré-sal brasileiro que elas encontram o laboratório ideal para evoluir em exploração em águas ultraprofundas.
A CNOOC, por exemplo, já supera em produção no Brasil algumas das maiores petroleiras independentes nacionais, como a Prio. A CNPC, por sua vez, usa sua experiência local para calibrar novos projetos na África e no Oriente Médio, regiões onde também busca diversificar o abastecimento.
Apesar do avanço, nem tudo indica expansão irrestrita. A Sinochem, outra estatal chinesa, vendeu sua participação de 40% no campo de Peregrino, na Bacia de Campos, por US$ 1,9 bilhão à brasileira Prio. A decisão mostra um reposicionamento estratégico: menos foco em ativos maduros e maior interesse em áreas de longo prazo.
Poucos meses depois, a Prio comprou os 60% restantes da norueguesa Equinor, assumindo o controle total do campo por US$ 3,5 bilhões. A saída da Sinochem, no entanto, não significa retração, mas uma troca de prioridades — a China quer estar onde o futuro do petróleo se decide.
O fortalecimento das petroleiras chinesas no Brasil reflete uma mudança geopolítica profunda. Ao mesmo tempo em que o país investe pesadamente em energia limpa, como solar e eólica, também assegura presença firme nas reservas globais de petróleo.
Essa dualidade faz parte da visão estratégica de Pequim: reduzir a dependência externa sem abrir mão da segurança energética. No caso brasileiro, a parceria com a Petrobras e o domínio sobre tecnologias de exploração em águas profundas reforçam a posição da China como protagonista na nova ordem do petróleo mundial.



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