O Brasil enfrenta escassez histórica de trabalhadores na construção civil; salários disparam e construtoras apostam em tecnologia e requalificação para evitar o colapso de obras.
O Brasil atravessa uma escassez histórica de trabalhadores na construção civil, um fenômeno que ameaça o avanço de grandes obras públicas e privadas em todo o país. Com a retomada do setor impulsionada pelo PAC, pelo crescimento do crédito imobiliário e pela expansão de empreendimentos logísticos e energéticos, o que antes era um problema pontual se transformou em uma crise estrutural de mão de obra. Levantamento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e dados do Caged indicam que o déficit ultrapassa 230 mil profissionais qualificados, o maior em duas décadas.
Déficit crescente e canteiros ociosos
Empresas de engenharia e construtoras relatam dificuldade em preencher vagas básicas, especialmente nas funções de pedreiro, servente, carpinteiro, encanador e eletricista. Em regiões de grande crescimento, como Nordeste e Centro-Oeste, há canteiros de obras operando com apenas 60% da força de trabalho necessária.
De acordo com José Carlos Martins, presidente da CBIC, o setor vive um “apagão técnico”. “Há dinheiro, projetos e demanda, mas falta gente para erguer o Brasil. A construção civil perdeu quase 1 milhão de trabalhadores durante a pandemia, e muitos nunca voltaram”, afirmou em entrevista recente.
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O problema é agravado pela falta de formação profissional. Cursos técnicos de base — que formam mestres de obras, operadores de equipamentos e técnicos em edificações — vêm perdendo alunos há anos. Segundo o Senai, a oferta de cursos caiu cerca de 20% na última década, enquanto a demanda por profissionais cresceu mais de 40%.
Jovens rejeitam o setor e salários disparam
Um dos principais desafios é a falta de interesse das novas gerações. Pesquisas apontam que menos de 10% dos jovens brasileiros consideram a construção civil uma área atraente.
A combinação de trabalho físico intenso, longas jornadas sob o sol e salários historicamente baixos afastou a nova mão de obra. O resultado é que os veteranos estão se aposentando e não há reposição à vista.
Para tentar conter o êxodo, construtoras vêm oferecendo salários até 60% maiores em funções básicas. Um pedreiro qualificado que ganhava R$ 2.500 mensais em 2023 pode hoje ultrapassar R$ 4.000, dependendo da região. Mestres de obras chegam a receber R$ 8.000 mensais, com benefícios e alojamento incluídos. Mesmo assim, as vagas continuam abertas.
Segundo dados do Ministério do Trabalho, há atualmente mais de 120 mil vagas não preenchidas no setor em todo o país. As empresas também relatam aumento expressivo nos custos com horas extras e prazos estendidos em obras de infraestrutura.
A reindustrialização e o boom imobiliário intensificam o problema
A retomada de investimentos públicos e privados acelerou a escassez. O Novo PAC, lançado em 2023, prevê mais de R$ 1,7 trilhão em obras até 2026, incluindo portos, rodovias, saneamento, ferrovias e moradias do programa Minha Casa, Minha Vida.
Somado a isso, o ciclo de expansão imobiliária no interior e em capitais médias — como Goiânia, Fortaleza e Campinas — aumentou drasticamente a demanda por mão de obra especializada. Grandes construtoras, como MRV, Direcional e Pacaembu, relatam atrasos médios de 60 dias em projetos devido à falta de trabalhadores.
O mesmo cenário se repete em obras industriais de energia solar e eólica, onde há carência de montadores, eletricistas e operadores de grua. A Associação Brasileira de Energia Solar (ABSOLAR) estima que 30% das novas usinas estão operando com equipes reduzidas.
Empresas apostam em inclusão e tecnologia para preencher o vácuo
Diante do cenário, o setor aposta em duas soluções complementares: inclusão de novos perfis e automação. Construtoras estão ampliando a contratação de mulheres, idosos e egressos de outros setores, além de oferecer capacitação direta nos canteiros.
Programas em parceria com o SENAI e o Sistema S oferecem formação acelerada com apenas 160 horas, garantindo certificação e inserção imediata no mercado. Em São Paulo, um projeto piloto chamado “Mãos à Obra 4.0” já formou mais de 5 mil trabalhadores em apenas um ano, com 90% de empregabilidade.
Paralelamente, cresce o investimento em tecnologias de construção modular, impressão 3D de concreto e sistemas de automação. A startup paranaense TecBuild, por exemplo, utiliza robôs para assentamento de blocos, reduzindo em até 40% a necessidade de mão de obra em obras de médio porte. Ainda assim, especialistas afirmam que a automação não substituirá o trabalhador humano a curto prazo — apenas aliviará parte da escassez.
O futuro da construção e o risco de estagnação
Caso o déficit não seja reduzido, a CBIC estima que o Brasil pode perder até 1,2% do PIB em 2025 apenas por atrasos e interrupções de obras. O setor, que responde por cerca de 7% da economia nacional, depende diretamente da expansão do emprego e da qualificação técnica.
Há consenso entre os analistas de que o país precisa de um “novo pacto educacional” para revalorizar as profissões da construção.
“Enquanto a Europa sofre com o envelhecimento da força de trabalho, o Brasil tem o bônus demográfico — mas está desperdiçando a oportunidade por falta de formação prática”, alerta Eduardo Zaidan, economista do Sinduscon-SP.
A crise atual revela mais do que um problema de mercado: é o reflexo de uma economia que voltou a crescer mais rápido do que sua capacidade de treinar e empregar. A indústria da construção, símbolo do desenvolvimento brasileiro, hoje ergue suas paredes com um desafio inédito — a falta de quem as construa.



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