Criada sem o feriado original dos Estados Unidos, a Black Friday brasileira virou uma maratona de descontos falsos, estratégias de marketing e consumo antecipado que movimenta bilhões todos os anos.
A chamada Black Friday, que ganhou espaço no varejo brasileiro a partir do início da década de 2010, não nasceu de uma tradição nacional nem está ligada a qualquer feriado brasileiro.
A data foi importada de forma quase exclusivamente comercial, sem o contexto cultural que a sustenta nos Estados Unidos. Lá, as grandes promoções acontecem sempre na sexta-feira seguinte ao Thanksgiving (Dia de Ação de Graças), um feriado de forte caráter religioso protestante e familiar, que marca o início efetivo da temporada de compras de fim de ano.
No Brasil, como esse feriado não existe e a base do calendário é predominantemente católica, o evento acabou se transformando em um gatilho para antecipar o consumo e disputar o dinheiro do 13º salário antes do Natal.
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Origem e lógica da data nos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, o funcionamento é claro: o país para na quinta-feira do Thanksgiving, muitas pessoas emendam a sexta e o varejo aproveita esse dia de alto fluxo para oferecer descontos reais.
A lógica é dupla. De um lado, as lojas usam a data para girar estoque, especialmente de eletrônicos, TVs e linha branca.
De outro, preparam os estoques e o caixa para as vendas de Natal. Como o consumidor norte-americano já está em clima de fim de ano, já está reunido com a família, já está planejando presentes, o comércio consegue concentrar grandes volumes de vendas e, por consequência, oferecer cortes de preço mais agressivos.
Nessa estrutura, a Black Friday faz sentido: há feriado, há gente na rua, há clima de Natal, há organização do varejo e há uma tradição de transparência maior sobre o preço.
É um evento que encaixa dentro do calendário deles e que conversa com o comportamento de consumo daquele mercado.
Como o varejo brasileiro puxou a data para si
No Brasil, o movimento foi diferente. Segundo o relato consultado, redes como Ricardo Eletro passaram a investir pesado em campanhas de TV e comunicação para “cravar” na cabeça do consumidor a ideia de uma Black Friday nacional.
O objetivo era simples: quem entrasse primeiro capturaria antes o dinheiro que as famílias tradicionalmente reservam para dezembro. Como o Natal sempre foi a grande âncora do varejo brasileiro, antecipar o consumo significava ficar na frente dos concorrentes.
No primeiro ano em que poucas empresas fizeram Black Friday, quem não aderiu viu o faturamento cair. Isso forçou as demais redes a também promoverem descontos em novembro.
A partir daí, criou-se um efeito dominó: se todas vão fazer promoção na última sexta de novembro, quem quiser pegar o consumidor ainda com dinheiro precisa fazer antes. Surgiram então as campanhas de “Black November”, depois ações já em novembro inteiro e, mais recentemente, ofertas já em outubro.
O resultado é que o comércio brasileiro passou a esticar artificialmente uma data que, na sua origem, era concentrada em um único dia. O objetivo não foi cultural, mas financeiro: antecipar o recebimento de fim de ano, pegar o limite do cartão do cliente antes do concorrente e capturar o 13º salário.
Descolamento cultural e perda de sentido
O material destaca que, ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil não tem clima real de fim de ano em novembro. Mesmo assim, lojas e shoppings começaram a montar árvores de Natal em outubro, supermercados passaram a vender panetone com muita antecedência e o varejo, no geral, tenta manter o consumidor por até três meses em “modo Natal”.
A avaliação do autor é que isso tende a desgastar as próprias datas comemorativas, porque o excesso de antecipação faz com que, quando o Natal chega de fato, ele já não tenha o mesmo impacto.
Há também uma crítica ao tipo de importação feita. Em vez de trazer o feriado que dá sentido à data (Thanksgiving), o comércio brasileiro trouxe apenas o instrumento de venda. E o fez sem criar uma base de transparência de preços, sem reforçar mecanismos de fiscalização e sem combinar com o consumidor as regras do jogo.
Problemas recorrentes na Black Friday brasileira
O texto aponta uma série de distorções que passaram a marcar a data no país:
- aumento de preços nas semanas anteriores para simular grandes cortes no dia;
- remarcação de etiquetas;
- desorganização de sites e quedas de sistema;
- estoques reduzidos e entregas atrasadas;
- ausência de feriado que justifique o volume de compra;
- desconfiança generalizada dos consumidores.
Com o tempo, essa combinação gerou uma percepção irônica da data nas redes sociais e consolidou a fama de que a Black Friday brasileira tem “descontos falsos”. A crítica fica ainda mais forte quando o autor observa que, nos últimos anos, até produtos digitais — que não têm estoque físico e não precisam “desovar” mercadoria — passaram a copiar a lógica da Black Friday, apenas para aproveitar o momento de alta atenção do público.
Como o consumidor pode se proteger
Apesar da visão crítica, o material afirma que ainda é possível se beneficiar da Black Friday no Brasil, mas só com uma postura ativa. A primeira recomendação é inverter a lógica: não entrar na internet “para ver o que tem” e só comprar aquilo que já estava no planejamento.
A orientação é clara: escolha o produto antes e, no dia, verifique se o preço realmente caiu. Se o valor estiver maior do que o que você pretendia pagar, não compre — mesmo que o anúncio ofereça bônus, brindes ou “mais 5 cursos”.
Para isso, o autor sugere acompanhar o histórico de preços em comparadores como Zoom e Buscapé, que hoje pertencem à mesma empresa.
Essas plataformas permitem ver o comportamento do preço nos últimos meses e, segundo o relato, mostram de forma muito nítida que muitos itens ficam um tempo caindo, mas começam a subir 30 ou 40 dias antes da Black Friday justamente para, no dia, voltarem ao patamar anterior como se fosse promoção.
Criar alertas nessas ferramentas é, portanto, uma forma de comprovar se o desconto é real.
Outra recomendação é não “se preparar para gastar”: não antecipar fatura para liberar limite, não ficar navegando em sites de ofertas se não há nenhuma compra planejada e, se for o caso, até reduzir o contato com publicidade — o autor chega a dizer que uma boa compra do período é a assinatura do YouTube Premium para parar de ver anúncios que estimulam o consumo.
A posição de quem vende educação financeira
O texto também registra a posição de uma escola de investimentos, a UVP, que decidiu não fazer Black Friday. A justificativa é de coerência: se o foco é ensinar as pessoas a gastarem com responsabilidade, não faz sentido criar uma promoção que leve o aluno a comprar por impulso.
A instituição afirma que mantém o mesmo preço ao longo do ano, que não penaliza quem entrou antes e que só pretende fazer reajuste por inflação, em outro momento.
O autor recorda que, em anos anteriores, chegou a fazer uma “promoção inversa” — aumentar o preço no dia — apenas para mostrar ao público como as pessoas compram sem analisar.
Houve até casos de clientes que fizeram a compra, receberam de volta parte do dinheiro e levaram a situação como uma experiência educativa. A conclusão, porém, foi de que a ação não educou o suficiente e, por isso, não será repetida.
A escola diz ainda que aceita alunos que levaram meses para tomar a decisão e que não trabalha com escassez artificial do tipo “últimas vagas por hoje”. Segundo o relato, isso preserva a confiança: quem compra antes não descobre depois que outro pagou metade do valor porque era “Black Friday”.
Educação financeira e exemplo dentro de casa
Na parte final, o texto amplia o argumento para a família. A data pode servir para ensinar filhos e adolescentes que consumo não precisa seguir o calendário do comércio.
É possível celebrar o Natal, fazer refeição em família, ter um momento religioso e comprar presentes depois, quando os preços estiverem mais baixos. A ideia é mostrar que nem tudo que o mercado anuncia como urgência é, de fato, urgente.
O fio condutor da crítica é que, no Brasil, a Black Friday virou um “feriado do consumismo vazio”, desconectado de qualquer significado social, religioso ou até logístico. E que, diante disso, a melhor defesa do consumidor é informação, comparação de preços e disciplina para dizer “não” quando a promoção não é promoção de verdade.



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