Governo discute proposta de tarifa zero no transporte público em domingos e feriados. Ideia se inspira em modelo de São Paulo e enfrenta impasse sobre financiamento, com projetos em análise no Congresso e impacto direto nas contas federais.
A equipe econômica do governo Lula avalia a adoção de tarifa zero no transporte público em domingos e feriados em âmbito nacional.
Segundo o jornal Gazeta do Povo, medida foi apresentada por aliados no Congresso e se inspira no modelo adotado em São Paulo desde dezembro de 2023.
Pelas contas mais citadas no mercado, o custo anual para a União pode chegar a R$ 4,3 bilhões em 2026 se o subsídio cobrir integralmente esses dias, com São Paulo fora do cálculo por já bancar a gratuidade local.
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O tema tramita em projetos de lei e esbarra, por ora, na restrição orçamentária e nas regras do novo arcabouço fiscal.
Projetos de lei no Congresso
Duas frentes legislativas dão formato ao plano. A primeira é o PL 4327/2025, de Reginaldo Lopes (PT-MG), que altera as leis da Cide-Combustíveis para permitir e priorizar o uso de seus recursos na redução de tarifas do transporte público e, quando couber, na tarifa zero.
O texto reserva percentuais mínimos para áreas urbanas e estabelece repasses proporcionais à população, mediante habilitação dos entes federados.
A proposta está protocolada na Câmara e iniciou tramitação no fim de agosto. A segunda via é o PL 1280/2023, de Jilmar Tatto (PT-SP).
Esse projeto institui um Programa Tarifa Zero de adesão voluntária dos municípios, com desenho que conecta financiamento local e fontes federativas.
O conteúdo central já está na Câmara desde 2023 e foi apensado a outras proposições na área de mobilidade, mantendo a discussão sobre mecanismos de cofinanciamento entre União, estados e prefeituras.
Custo estimado da tarifa zero
O esforço fiscal é o principal ponto de atrito.
Estimativa divulgada por economistas ligados ao mercado financeiro projeta R$ 4,3 bilhões por ano para subsidiar 100% dos domingos e feriados no transporte urbano do país, com exceção de São Paulo.
Já uma conta alternativa, citada por especialistas do setor, coloca o dispêndio perto de R$ 3,5 bilhões ao ano, tomando como base a participação desses dias no custo operacional total do sistema.
As duas ordens de grandeza indicam que, sem fonte dedicada, a despesa pressiona o espaço orçamentário federal.
O governo trabalha para cumprir a meta de resultado primário zero em 2025, com banda de tolerância prevista no novo arcabouço.
A LDO sancionada e análises técnicas do Legislativo confirmam esse objetivo, e a área econômica já promoveu contingenciamentos para mantê-lo.
Nesse contexto, qualquer ampliação de subsídios exige acomodação dentro da regra fiscal — ou a definição de receitas permanentes, como as que seriam abertas pela reorientação da Cide pretendida no PL de Reginaldo Lopes.
Caso São Paulo como referência
A referência do Planalto é o “Domingão Tarifa Zero” paulistano, que foi ampliado aos feriados e utilizado como uma das principais propostas de campanha, segundo a Gazeta do Povo.
O programa começou em 17 de dezembro de 2023 e foi divulgado com custo anual estimado de R$ 283 milhões ao orçamento da capital.
A gestão municipal argumenta que a medida combate ociosidade da frota nesses dias e induz circulação nas regiões comerciais.
Conforme o jornal, a experiência mostrou que a gratuidade pode ser mantida sem comprometer a oferta de ônibus quando existe orçamento suficiente para custeá-la.
Exemplos em outras cidades brasileiras
Em Maricá (RJ), a política é integral desde 2014 e opera por meio da Empresa Pública de Transportes (EPT).
A prefeitura afirma que o modelo é sustentado por receitas locais, em especial royalties de petróleo, e reporta cerca de 39 milhões de deslocamentos em 2024.
A prioridade orçamentária e a estrutura pública do serviço explicam a estabilidade do programa.
O caso se tornou vitrine para defensores da escala nacional, mas também evidencia que a replicação depende de fontes robustas e recorrentes.
Fora do Rio, capitais vêm testando recortes de gratuidade.
O Distrito Federal instituiu ônibus e metrô grátis aos domingos e feriados a partir de 1º de março de 2025, e Belém (PA) tornou a passagem gratuita nesses dias a partir de abril do mesmo ano.
Ainda de acordo com a Gazeta do Povo, são experiências com escopo delimitado e financiamento local, empregadas para observar o impacto na demanda e na operação antes de uma eventual expansão.
Transporte como direito social
Aliados do governo ancoram a proposta no caráter de direito social do transporte, incluído no artigo 6º da Constituição.
Para o deputado Reginaldo Lopes, “o transporte [é garantido pela Constituição Federal] como um direito social, que funciona como porta de acesso a outros direitos, como saúde, educação e lazer”.
A leitura busca deslocar o debate de uma agenda de “benefício” para uma política de acesso a serviços, com prioridade às periferias urbanas, onde o gasto com deslocamento compromete parte relevante da renda.
O impasse do financiamento
Mesmo com o enquadramento constitucional, a pergunta continua sendo como financiar.
A Cide-Combustíveis sofreu mudanças de base de arrecadação ao longo dos anos e tende a perder dinamismo com a transição energética.
O PL 4327/2025 tenta blindar uma parcela do tributo para subsídios tarifários, mas isso desloca recursos de outras finalidades.
Alternativas de cofinanciamento — repartindo a conta entre União, estados e municípios — precisam levar em conta a realidade fiscal de 5.570 prefeituras, muitas já dependentes de transferências para serviços essenciais.
Impactos sociais e desafios fiscais
No curto prazo, a gratuidade atinge diretamente os usuários que mais comprometem renda com transporte e amplia o acesso ao lazer, ao comércio e a serviços nos fins de semana.
Nas regiões metropolitanas, os efeitos aparecem de forma mais concentrada, segundo a Gazeta do Povo.
Em contrapartida, especialistas alertam que programas duradouros exigem previsibilidade de caixa e controle operacional — sob pena de gerar ajustes abruptos nos contratos e na oferta se a arrecadação cair.
O Congresso discute alternativas de fonte estável e mecanismos de governança para viabilizar o uso dos recursos.