O governo brasileiro se antecipou ao possível agravamento da crise com os Estados Unidos e iniciou o processo para aplicar a Lei da Reciprocidade, criando base legal para reagir a novas sanções que podem vir após o julgamento de Bolsonaro.
O Planalto avalia, às vésperas do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, que os Estados Unidos podem ampliar a pressão sobre o Brasil em caso de condenação.
Para evitar lacunas jurídicas numa eventual escalada, o governo iniciou o rito para aplicar a Lei da Reciprocidade Econômica, abrindo caminho para contramedidas proporcionais às medidas adotadas por Washington.
A leitura interna é objetiva: garantir base legal para reagir caso o quadro piore, segundo apuração da CNN Brasil publicada nesta segunda-feira (1º).
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Julgamento no STF e foco em possíveis reações
Bolsonaro e outros sete réus serão julgados pela Primeira Turma do STF na terça-feira, 2 de setembro, a partir das 9h, em processo que apura tentativa de golpe após a eleição de 2022.
O cronograma e o rito foram confirmados pelo tribunal e por órgãos oficiais. A expectativa no governo é de que o desfecho do julgamento influencie o tom da política norte-americana para o Brasil no curto prazo.
Governo nega vínculo direto, mas admite necessidade de respaldo
Integrantes do Executivo afirmam que a abertura do processo na última quinta-feira (28) não tem relação direta com o julgamento.
Ao mesmo tempo, reconhecem que a iniciativa cria respaldo jurídico para eventual reação política se os EUA endurecerem as sanções.
A Embaixada do Brasil em Washington comunicou oficialmente, na sexta-feira (29), ao USTR a abertura do procedimento, seguindo o rito previsto na legislação.
O que permite a Lei da Reciprocidade
Sancionada em abril de 2025 como Lei nº 15.122, a norma autoriza o país a suspender concessões comerciais e a impor tarifas de retaliação quando outro governo adotar medidas unilaterais que prejudiquem a competitividade brasileira ou interfiram em decisões soberanas.
Em julho, o Decreto nº 12.551/2025 regulamentou o instrumento e criou instâncias para análise e deliberação, inclusive a possibilidade de contramedidas excepcionais e provisórias em cenário de urgência.
Prazos e etapas: como avança o processo
Com a provocação feita ao Camex, o comitê tem 30 dias para apresentar um relatório sobre a aderência do caso aos critérios da lei, prazo que pode ser prorrogado.
No rito ordinário, a tramitação total pode levar até sete meses (210 dias), por envolver consultas públicas e análises técnicas.
Apesar disso, a regulamentação prevê saídas emergenciais para situações de agravamento, desde que observada a proporcionalidade das medidas.
O que já fizeram os Estados Unidos
Desde 9 de julho, a Casa Branca anunciou tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, com vigência a partir de 1º de agosto de 2025.
Além do tarifaço, houve revogações de vistos de autoridades brasileiras — entre elas, ministros do STF e o procurador-geral da República — e, em 30 de julho, a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, que ficou sujeito a bloqueio de eventuais ativos sob jurisdição americana e proibição de entrada nos EUA.
O Departamento de Estado informou que o visto de Moraes e de familiares já havia sido revogado em 18 de julho, conforme noticiado pela CNN Brasil.
Prioridade diplomática e margem para diálogo
No Planalto, a orientação é manter aberto o canal de negociação com Washington, ainda que sem expectativa de mudança imediata na postura norte-americana.
O governo sustenta que, ao acionar a Lei da Reciprocidade, preserva a capacidade de negociar com os EUA e, ao mesmo tempo, garante um “colchão” jurídico caso o cenário se deteriore após o julgamento.
O vice-presidente Geraldo Alckmin tem reiterado que o instrumento também funciona como alavanca para acelerar tratativas comerciais e reduzir danos a exportadores brasileiros.
O que pode vir a seguir
Nos bastidores, aliados de Bolsonaro afirmam que o governo americano poderá ampliar sanções se houver condenação, com sugestões que incluem a eventual extensão de medidas sob a Lei Magnitsky a pessoas próximas de autoridades do STF.
Até o momento, não há ato oficial adicional publicado além das sanções a Moraes e das restrições de visto já anunciadas.
Em paralelo, setores econômicos pressionam por previsibilidade, enquanto o governo monitora impactos do tarifaço e avalia cestas de contramedidas calibradas por setor, se necessário.
Impacto político até 2026
A percepção predominante no governo é que a tensão com os EUA tende a persistir pelo menos até o ciclo eleitoral de 2026, quando o ambiente político poderá redesenhar incentivos de ambos os lados.
Enquanto isso, o Brasil busca convergência com parceiros e aciona instrumentos multilaterais para contestar medidas unilaterais.
A aposta é que o andamento do julgamento e sua recepção internacional serão determinantes para o ritmo da crise e para a necessidade — ou não — de acionar medidas extraordinárias previstas na lei.
Conforme destacou a CNN Brasil, integrantes do governo não acreditam que a abertura ao diálogo vá alterar a disposição dos EUA em manter sanções.
Diante desse quadro, a estratégia de criar lastro legal antes do veredito do STF será suficiente para conter novas investidas dos EUA, ou o país precisará transformar o respaldo jurídico em retaliação efetiva nas próximas semanas?