Evergrande é retirada da bolsa de Hong Kong após dívidas bilionárias, marcando o colapso definitivo da gigante imobiliária e impactos globais
A gigante imobiliária chinesa Evergrande foi oficialmente retirada do mercado de ações de Hong Kong nesta segunda-feira (25/08). A decisão encerra mais de uma década de presença da empresa na bolsa e marca um capítulo decisivo na derrocada do grupo que já foi avaliado em mais de US$ 50 bilhões.
Especialistas afirmam que a exclusão era inevitável e definitiva. “Uma vez retirada da bolsa, não há como voltar atrás”, explica Dan Wang, diretora para a China da consultoria Eurasia Group.
Para ela, o colapso da empresa poderá ter reflexos importantes não apenas na economia chinesa, mas também no restante do mundo.
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O setor imobiliário representa quase um terço da economia da China. Além disso, durante décadas, a expansão do país esteve ligada a esse segmento, no qual a Evergrande se destacava.
Muitas famílias chinesas investiram suas economias em imóveis, o que aumenta o impacto social e econômico da crise.
Impacto global
O impacto global da derrocada da Evergrande não se limita às fronteiras da China. Fundos internacionais e bancos expostos às dívidas da empresa enfrentam riscos de perdas bilionárias, enquanto investidores perdem confiança no setor.
A desaceleração do mercado imobiliário chinês reduz a demanda por matérias-primas, afetando exportadores de países emergentes.
Além disso, a incerteza econômica pressiona bolsas e moedas em todo o mundo, ampliando a instabilidade financeira global.
A ascensão e a queda da Evergrande
Há poucos anos, a Evergrande simbolizava o chamado milagre econômico chinês. Seu fundador, Hui Ka Yan, vinha de origens humildes e, em 2017, chegou ao topo da lista da Forbes como a pessoa mais rica da Ásia, com fortuna estimada em US$ 45 bilhões.
Hoje, seu patrimônio encolheu para menos de US$ 1 bilhão. Em março do ano passado, Hui foi multado em US$ 6,5 milhões e banido do mercado de capitais da China para sempre, após sua empresa admitir ter superestimado receitas em US$ 78 bilhões.
Advogados agora analisam a possibilidade de credores buscarem os bens pessoais do empresário.
Antes do colapso, a Evergrande tinha 1,3 mil projetos em 280 cidades chinesas. Seu império incluía também uma fabricante de carros elétricos e o Guangzhou FC, time de futebol mais bem-sucedido do país, que chegou a contar com brasileiros como Scolari, Robinho e Paulinho. O clube foi expulso da liga em 2024 por falta de pagamento.
O crescimento da Evergrande foi sustentado por uma dívida de US$ 300 bilhões, tornando-a a construtora mais endividada do mundo.
O declínio começou em 2020, quando o governo chinês limitou o volume de empréstimos que incorporadoras poderiam contrair.
Sem fôlego, a empresa passou a oferecer imóveis com grandes descontos e acumulou calotes em dívidas no exterior.
Em agosto de 2023, pediu falência em Nova York para proteger ativos nos EUA. Meses depois, o Tribunal Superior de Hong Kong determinou a liquidação da companhia. Desde então, suas ações ficaram suspensas e perderam mais de 99% do valor de mercado.
Dívidas impagáveis e liquidação em curso
O Tribunal de Hong Kong ordenou a liquidação definitiva em janeiro de 2024, após a Evergrande não apresentar plano viável para lidar com passivos bilionários no exterior.
No início de agosto deste ano, revelou-se que a empresa ainda deve US$ 45 bilhões e conseguiu vender apenas US$ 255 milhões em ativos.
Analistas não acreditam em reestruturação. Para Dan Wang, a exclusão da bolsa é um marco simbólico. Já o professor Shitong Qiao, da Universidade Duke, afirma que a principal dúvida é saber quais credores serão pagos e quanto será possível recuperar no processo. A próxima audiência está marcada para setembro.
Impactos na economia chinesa
A derrocada da Evergrande se soma a outros problemas econômicos que a China enfrenta, como a guerra tarifária iniciada por Donald Trump, a dívida elevada dos governos locais, baixo consumo, desemprego e envelhecimento da população.
Segundo Wang, a crise imobiliária é hoje o maior entrave para a economia chinesa. Isso porque o setor responde por quase um terço do PIB e também por parte importante da receita de governos locais.
Para Qiao, ainda não existe alternativa capaz de sustentar o crescimento em escala comparável. Empresas altamente endividadas promovem demissões em massa, e os trabalhadores que permanecem sofrem cortes salariais, aponta Jackson Chan, da Bondsupermart.
Além disso, muitas famílias, que veem imóveis como principal forma de investimento, perderam cerca de 30% do valor de suas economias com a queda nos preços, segundo Alicia Garcia-Herrero, economista-chefe do Natixis. Isso reduz o consumo e a capacidade de investimento da população.
Tentativas de reação do governo
O governo chinês lançou pacotes de estímulo para revitalizar o setor imobiliário e estimular o consumo. Entre as medidas estão ajudas financeiras para novos compradores, apoio ao mercado de ações e incentivos para aquisição de carros elétricos e eletrodomésticos.
Mesmo assim, o crescimento da China caiu para cerca de 5% ao ano. Embora essa taxa seja alta em comparação a países ocidentais, é considerada baixa para um país que crescia acima de 10% há uma década.
Apesar dos esforços, especialistas não acreditam que a crise esteja no fim. Outras empresas enfrentam ordens de liquidação, como a China South City Holdings.
Já a rival Country Garden luta para renegociar US$ 14 bilhões em dívidas externas. A audiência final está prevista para 2026.
O futuro do mercado imobiliário chinês
“O setor imobiliário está em apuros. Mais empresas vão falir”, afirma Qiao. Até agora, o governo não mostrou disposição para resgatar construtoras, temendo incentivar comportamentos de risco em um mercado já endividado.
Mesmo assim, Chan acredita que os estímulos têm efeito positivo e que o fundo do poço pode já ter sido alcançado, embora a recuperação seja lenta. Em junho, o Goldman Sachs previu queda nos preços até 2027. Para Wang, o mercado só vai se equilibrar em dois anos, quando a demanda alcançar a oferta.
No entanto, Garcia-Herrero vê o cenário de forma mais pessimista. Para ela, ainda “não há luz real no fim do túnel”.
Mudança de prioridades
Embora o mercado imobiliário tenha sustentado a expansão econômica por décadas, as prioridades de Pequim mudaram.
O presidente Xi Jinping concentra esforços em setores de alta tecnologia, como carros elétricos, energia renovável e robótica.
Segundo Wang, a China vive uma “profunda transição para uma nova era de desenvolvimento”. Nesse contexto, o colapso da Evergrande representa não apenas o fim de um império empresarial, mas também um divisor de águas para o modelo de crescimento chinês.
A exclusão da Evergrande da bolsa de Hong Kong resume em um gesto o desfecho de anos de expansão descontrolada, dívidas insustentáveis e um setor que agora luta para sobreviver.
Enquanto isso, famílias, investidores e credores aguardam os próximos capítulos de uma crise que já entrou para a história econômica mundial.
Com informações de BBC.