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A Geada Negra e o colapso das plantações de café no Brasil

Escrito por Sara Aquino
Publicado em 19/07/2025 às 08:45
Atualizado em 18/07/2025 às 18:29
A geada negra de 1975 destruiu milhões de pés de café no Brasil e transformou o agro para sempre. Entenda esse fenômeno!
Foto: Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss
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A geada negra de 1975 destruiu milhões de pés de café no Brasil e transformou o agro para sempre. Entenda esse fenômeno!

Em 18 de julho de 1975, uma intensa massa de ar polar avançou sobre o Sul e Sudeste do Brasil, causando um dos maiores desastres climáticos da história da agricultura brasileira. O fenômeno, conhecido como geada negra, atingiu com força as plantações de café no Paraná e em São Paulo, queimando mais de 1 bilhão de pés de café em poucas horas. 

Produtores como Edésio Luiz de Souza, de Tomazina (PR), viram seus cafezais serem reduzidos a cinzas geladas logo ao amanhecer.

A temperatura despencou para -3,5ºC em Londrina, e a paisagem antes verdejante transformou-se em um cenário fúnebre.

O impacto foi tão devastador que a safra de café de 1976 foi praticamente zerada. A tragédia não apenas alterou a economia local, como também acelerou uma revolução no agro brasileiro

O que é a geada negra e por que ela foi tão destrutiva? 

A geada negra é um fenômeno climático raro e severo. Ao contrário da geada branca, onde o gelo é visível, a negra ocorre quando o frio intenso atinge diretamente os tecidos internos da planta, matando-a de dentro para fora.

Isso acontece por causa do vento, que facilita a penetração do ar gelado até o tronco da planta. 

Segundo a agrometeorologista Heverly Morais, do IDR-PR, “o frio rompe e congela os tecidos vegetais e queima a planta, que fica com esse aspecto enegrecido”.

Em 1975, ventava forte durante a madrugada, o que intensificou o efeito da massa polar. O resultado: cafezais inteiros morreram da noite para o dia, causando um trauma coletivo em toda a cadeia produtiva do café. 

O impacto devastador no Paraná e em São Paulo 

Antes da tragédia, o Paraná era o maior produtor de café do Brasil, com 942 mil hectares de cafezais e cerca de 900 milhões de pés cultivados — representando 34% da produção nacional. São Paulo também sofreu fortemente, perdendo aproximadamente 200 milhões de cafeeiros. 

Em Londrina, o agrônomo Tumoru Sera, então com 24 anos, tentou proteger suas mudas de café cobrindo-as com milho e terra. Parte foi salva, mas a lavoura da família foi dizimada. A lembrança ainda emociona: “Era tudo preto, queimado. Nunca mais vimos uma geada assim”. 

A transformação do agro após o desastre 

A geada negra não apenas destruiu plantações de café; ela reconfigurou o agro brasileiro. Muitos produtores desistiram da cafeicultura e passaram a investir em outras culturas mais resistentes, como soja, milho e trigo.

Foi o caso do agricultor Jorge Pedro Frare, que viu naquele momento a oportunidade de apostar na mecanização agrícola. 

“Comecei a arrancar os cafeeiros com o trator, e ali nasceu um novo modelo de agricultura no Norte do Paraná”, lembra Frare. De lá para cá, o Paraná se consolidou como um gigante na produção de grãos, ocupando hoje o segundo lugar no ranking nacional, atrás apenas do Mato Grosso. 

Persistência, inovação e o futuro do café no Brasil 

Apesar da tragédia, alguns cafeicultores insistiram em recomeçar. Edésio Luiz de Souza, por exemplo, usou o lucro de uma colheita feita dias antes da geada para continuar na atividade. Hoje, aos 80 anos, se orgulha de ver seus nove filhos seguindo na lavoura. “Se não fosse o café, eu não tinha criado meus filhos”, afirma. 

Sua filha, Nira Souza, lidera o grupo “Mulheres do Café” e cultiva 14 mil pés de café. Ela representa a nova geração que aposta na qualidade ao invés da quantidade, mirando o mercado de exportação e cafeterias especializadas. “Hoje eu sou muito feliz e me sinto realizada sendo mulher do café”, diz. 

Tumoru Sera, por sua vez, dedicou as últimas cinco décadas ao desenvolvimento de novas cultivares resistentes a doenças como a ferrugem.

Ele também ajudou a implantar o modelo de café adensado, com maior densidade de plantas por hectare.

Para ele, a preocupação com as geadas ficou no passado. “Hoje, devemos nos preocupar mais com a ferrugem, com os nematoides e com o mercado”, avalia. 

Clima, café e o novo cenário do agro brasileiro 

O clima da região também mudou. Segundo dados do IDR-PR, a média das temperaturas máximas em Londrina subiu de 27,5ºC (1976–2024) para 29,9ºC em 2024.

O risco de uma nova geada negra como a de 1975 parece menor, mas o alerta climático ainda é importante, especialmente para culturas sensíveis como o café. 

O Brasil continua sendo um dos maiores produtores de café do mundo, mas a plantação de café migrou para regiões menos suscetíveis ao frio.

A tragédia de 1975 marcou a transição de uma agricultura baseada em volume para um agro mais tecnológico, resiliente e diversificado. 

A geada negra de 1975 foi mais do que um fenômeno climático. Foi um divisor de águas para a cafeicultura brasileira e um marco de virada no agro nacional. Em meio à destruição, surgiram oportunidades, inovações e histórias de superação que continuam inspirando gerações. 

Hoje, o Brasil colhe os frutos de uma agricultura mais adaptada, eficiente e humana — enraizada, ironicamente, no frio que quase congelou o coração do país há 50 anos. 

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Sara Aquino

Farmacêutica Generalista e Redatora. Escrevo sobre Empregos, Cursos, Ciência, Tecnologia e Energia. Apaixonada por leitura, escrita e música.

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