França adia reforma da aposentadoria para 2027 e acende alerta fiscal: dívida pode ultrapassar 115% do PIB, segundo projeções da Bloomberg e UE.
O governo francês decidiu empurrar para 2027 a polêmica reforma da aposentadoria, adiando uma das medidas mais aguardadas e também mais impopulares do país. O anúncio, feito em 15 de outubro de 2025 pelo primeiro-ministro Sébastien Lecornu, marca uma virada política importante na condução da economia francesa e acende o alerta sobre a sustentabilidade das contas públicas.
Segundo reportagens da Reuters, Bloomberg e Financial Times, Lecornu optou por não mexer no plano de aposentadorias antes das próximas eleições presidenciais, temendo uma nova onda de protestos e instabilidade política semelhante à que paralisou o país em 2023, durante o governo Macron. A decisão, no entanto, tem um preço alto: sem ajustes estruturais, a dívida pública da França pode ultrapassar 115% do PIB até 2027, colocando em risco a confiança de investidores e da própria União Europeia.
O custo de adiar uma decisão impopular
A reforma, que previa elevar gradualmente a idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos, era considerada uma das principais âncoras fiscais do governo francês.
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A suspensão da medida até 2027, segundo estimativas da Bloomberg Economics, custará cerca de €400 milhões em 2026 e até €1,8 bilhão em 2027, ampliando o déficit orçamentário em um momento em que a França já ultrapassa os limites fiscais da União Europeia.
Em Bruxelas, o vice-presidente executivo da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, classificou a suspensão como “custosa, mas compensável”, desde que Paris adote medidas alternativas para conter o gasto público.
“A decisão de adiar a reforma previdenciária deve vir acompanhada de cortes e revisões orçamentárias para manter a trajetória fiscal dentro das regras europeias”, afirmou Dombrovskis em coletiva.
A herança de Macron e o dilema político de Lecornu
O adiamento é visto como o fim simbólico da agenda de Emmanuel Macron, que fez da reforma previdenciária uma bandeira política desde 2017. Lecornu, que assumiu o comando do governo após um período de tensão institucional, tenta equilibrar o discurso entre estabilidade social e responsabilidade fiscal.
“A França não pode se dar ao luxo de novos confrontos nas ruas às vésperas de uma eleição presidencial. O país precisa de estabilidade”, disse Lecornu em seu discurso na Assembleia Nacional.
Analistas políticos, porém, apontam que o preço dessa estabilidade será cobrado no médio prazo. A Fitch Ratings já alertou que a trajetória fiscal francesa é “uma das mais preocupantes da zona do euro”, e o adiamento das reformas pode pressionar ainda mais o rating soberano do país, hoje em AA-, com perspectiva negativa.
Dívida crescente e espaço fiscal limitado
A dívida pública francesa atingiu 112,5% do PIB em setembro de 2025, segundo o Tesouro Nacional da França (Agence France Trésor). O país ocupa a segunda posição entre as maiores dívidas da União Europeia, atrás apenas da Itália.
O orçamento de 2026, apresentado em setembro, já previa um déficit fiscal superior a 5,1% do PIB, bem acima do teto de 3% exigido pelo Pacto de Estabilidade Europeu.
A decisão de Lecornu de adiar a reforma da Previdência foi vista como uma resposta à pressão popular, mas também como um movimento de curto prazo que amplia a vulnerabilidade das finanças públicas. “A França vive um dilema clássico: fazer a reforma e enfrentar o caos político, ou adiar e pagar mais caro depois”, afirmou o economista francês Jean Pisani-Ferry, do Instituto Bruegel, à Bloomberg.
Reação dos mercados e da União Europeia
Os investidores reagiram com cautela ao anúncio. Os rendimentos dos títulos de dez anos da França subiram para 3,36%, o maior nível em três meses, refletindo a percepção de risco fiscal.
O euro, por sua vez, registrou leve desvalorização frente ao dólar, e o mercado de crédito precificou um aumento na probabilidade de rebaixamento da nota soberana.
Em Bruxelas, o adiamento foi recebido com preocupação. A União Europeia vinha cobrando de Paris um plano concreto de ajuste fiscal até o fim de 2025. Sem a reforma da Previdência, o governo francês terá de apresentar medidas alternativas — como redução de subsídios e congelamento de contratações públicas — para evitar sanções.
O peso político do adiamento
O contexto político também ajuda a explicar a decisão. Lecornu, nomeado em agosto de 2025, assumiu com a missão de reconstruir pontes com sindicatos e reduzir a polarização deixada por Macron.
As últimas pesquisas mostram que mais de 60% dos franceses são contrários à reforma da aposentadoria, e qualquer tentativa de retomá-la antes das eleições poderia resultar em protestos de massa e perda de apoio parlamentar.
“Adiar a reforma não é desistir dela”, afirmou Lecornu em entrevista à France 24. “Mas o país precisa respirar antes de um novo ciclo político.”
O que está em jogo
Economistas europeus alertam que o adiamento da reforma francesa pode criar um efeito dominó sobre outros países da zona do euro, especialmente num momento em que a União Europeia tenta consolidar um novo marco fiscal mais rígido.
A credibilidade da França como pilar econômico do bloco está diretamente ligada à sua capacidade de controlar gastos e manter a dívida sob controle.
“A França sempre foi o contraponto da Alemanha. Se Paris perder a confiança dos mercados, toda a zona do euro sente o impacto”, explicou o analista Carsten Brzeski, do ING Bank.
A decisão também tem implicações geopolíticas. Com os Estados Unidos e a China acelerando políticas de estímulo e investimentos estratégicos, a França corre o risco de perder competitividade industrial caso os custos fiscais se ampliem.
O próprio Ministério da Economia francês reconhece que os juros da dívida já consomem mais de €60 bilhões por ano, superando os gastos com educação e defesa.
“Sem ajustes, a dívida francesa pode se tornar impagável em dez anos”, alertou Brzeski.