FGTS possui alcance que poucos conhecem: tribunais confirmam que trabalhador pode usar o fundo para custear tratamento de doenças graves de pais e filhos
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado pela Lei nº 8.036/1990 com o objetivo de servir como uma reserva financeira do trabalhador, garantindo recursos em situações específicas como demissão sem justa causa, aposentadoria, compra da casa própria ou em casos de doenças graves. Ao longo do tempo, o FGTS se tornou um instrumento essencial de proteção social no Brasil. O saque em situações de saúde foi pensado como uma forma de aliviar o impacto financeiro de tratamentos de alto custo que podem comprometer a renda da família. Tradicionalmente, a regra previa a liberação apenas para o titular da conta em caso de diagnóstico de determinadas doenças. Porém, uma evolução recente da jurisprudência vem mudando esse cenário.
A lista de doenças graves prevista em lei
O artigo 20 da Lei nº 8.036/1990 estabelece que o trabalhador pode sacar o FGTS em situações de “doenças graves”.
A Caixa Econômica Federal regulamenta esse procedimento e disponibiliza inclusive um relatório médico padrão para que os pedidos sejam analisados.
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Entre as enfermidades tradicionalmente reconhecidas para o saque estão:
- Câncer (neoplasia maligna);
- HIV/AIDS;
- Doença de Parkinson;
- Esclerose múltipla;
- Hanseníase;
- Tuberculose ativa;
- Cardiopatia grave;
- Hepatopatia grave;
- Alienação mental;
- Estágio terminal de vida;
- Transtorno do Espectro Autista (nível 3).
Essa lista, entretanto, tem sido interpretada pelos tribunais como exemplificativa, não exaustiva. Ou seja, outras condições igualmente incapacitantes ou que demandem tratamentos de alto custo podem ser enquadradas para permitir o saque do FGTS.
A ‘novidade’ que poucos sabem: inclusão de pais e filhos como beneficiários indiretos
Nos últimos anos, a Justiça passou a reconhecer que o saque do FGTS também pode ser liberado quando a doença grave não afeta diretamente o trabalhador, mas sim seus dependentes próximos, como filhos ou pais.
Essa interpretação parte do princípio de que o FGTS é uma reserva de proteção familiar, não apenas individual. Se o fundo existe para garantir dignidade ao trabalhador e sua família, ele também deve servir para custear despesas médicas quando a vida de dependentes está em risco.
Tribunais regionais federais já decidiram em favor de trabalhadores que solicitaram o saque para custear o tratamento de filhos diagnosticados com autismo severo, câncer ou doenças raras, bem como de pais em situação de internação prolongada. Em alguns desses julgados, os magistrados reforçaram que negar o saque seria ferir a dignidade da pessoa humana e o direito à saúde.
Decisões judiciais que consolidam esse entendimento
Um caso emblemático foi julgado pelo TRF da 3ª Região em 2021, que reconheceu o direito de um trabalhador sacar o FGTS para custear o tratamento de seu filho diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista.
O tribunal entendeu que a lista de doenças graves não poderia ser interpretada de forma rígida, já que a realidade social exige respostas mais amplas.
Outro precedente relevante envolve pedidos de saque para tratamento de pais idosos em condições terminais. Juízes têm concedido o direito sob o argumento de que a função social do FGTS é justamente amparar o trabalhador e sua família em situações extremas.
Essas decisões consolidam um movimento que fortalece o caráter social do fundo, indo além da visão estritamente patrimonial.
O impacto financeiro para os trabalhadores
A ampliação do alcance do FGTS tem efeitos práticos significativos. Os custos de tratamentos de saúde no Brasil são elevados, e mesmo famílias com planos privados enfrentam gastos altos com medicamentos, terapias e deslocamentos.
Um levantamento da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) aponta que medicamentos de uso contínuo em doenças graves podem superar facilmente R$ 5.000 por mês. Em casos de internação ou terapias especializadas, a despesa anual pode chegar a centenas de milhares de reais.
Nesse contexto, o saque do FGTS representa um alívio imediato, permitindo que famílias tenham acesso a recursos acumulados ao longo de anos de trabalho formal para garantir a saúde de seus entes queridos.
Como solicitar o saque do FGTS em casos de doença grave na família
O procedimento ainda depende de análise caso a caso. Para solicitar, o trabalhador deve apresentar:
- Laudo médico oficial comprovando a doença do dependente;
- Documentos que provem o vínculo de dependência, como certidão de nascimento ou documentos de guarda;
- Requerimento junto à Caixa Econômica Federal.
Em situações em que a Caixa nega administrativamente o saque, é possível recorrer à Justiça, e é justamente nesses casos que a jurisprudência recente tem ampliado os direitos do trabalhador.
A força da dignidade humana nas decisões
Um ponto central em todas as decisões é o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição Federal.
Os magistrados entendem que o patrimônio não pode ser colocado acima da vida e da saúde. Se o FGTS existe para ser usado em momentos de necessidade, negar o saque quando um filho ou um pai está gravemente doente seria contraditório com sua própria função.
Além disso, o Judiciário reforça que o direito à saúde é um dos pilares da Constituição, e que cabe ao Estado — e por consequência às normas trabalhistas — oferecer meios de proteção em situações de emergência.
Caminhos para o futuro
Ainda que essa interpretação já esteja consolidada em várias decisões, especialistas defendem que é necessário atualizar a legislação para dar mais clareza e segurança ao trabalhador. Hoje, muitos ainda enfrentam negativas da Caixa e precisam recorrer ao Judiciário.
Uma alteração legal poderia ampliar de forma expressa o rol de beneficiários indiretos, incluindo pais, filhos e outros dependentes, sem depender apenas de decisões judiciais. Essa mudança traria mais previsibilidade e evitaria a judicialização excessiva.
Enquanto isso não ocorre, os precedentes continuam sendo um instrumento de avanço, abrindo caminho para que cada vez mais famílias tenham acesso aos recursos do fundo em momentos críticos.
A evolução do entendimento jurídico sobre o FGTS mostra que o sistema brasileiro está se adaptando às novas demandas sociais. A família não é composta apenas pelo trabalhador titular, mas por todos aqueles que dele dependem.
Garantir que pais e filhos possam ser assistidos com recursos do FGTS reforça o compromisso da legislação com a proteção integral da família e a prioridade absoluta da saúde.