Como os verdadeiros heróis do Himalaia transformam sua ascensão ao cume em uma logística milionária e genética otimizada para grandes altitudes
Os Sherpas são muito mais do que simples guias de montanha no Himalaia são verdadeiros especialistas genéticos em enfrentar condições de até 8848 metros de altitude. Enquanto muitos alpinistas desembolsam de US$35000 até US$90000 por expedições completas, são essas comunidades locais que instalam rotas, carregam equipamentos e garantem que aventureiros tenham segurança máxima na Cascata de Gelo de Khumbu. Conheça como esse grupo de pessoas nativas do Nepal, Sikkim e Tibete redefiniu o significado de montanhismo de alto risco.
Em cada temporada de escalada centenas de Sherpas vivem um ciclo de até três meses em que podem ganhar até US$5000 transportando cargas para cinco acampamentos diferentes. Apesar de representarem mais de um terço das fatalidades documentadas no Everest entre 1921 e 2018, essas comunidades continuam impulsionando o turismo de aventura que gerou US$300 milhões em 2019 no Nepal.
Origens, cultura e adaptação genética do povo Sherpa
Os Sherpas descendem de povos nômades vindos de Kham no Tibete que se estabilizaram ao redor do Monte Everest entre os séculos XIII e XIV. Quatro clãs iniciais deram origem a mais de 20 subdivisões que hoje mantêm tradições no budismo Nyingma em gompas locais. Essa herança cultural se mistura ao domínio da língua sherpa, que pertence ao ramo tibetano-birmanês e é ininteligível para falantes do tibetano de Lhasa.
-
Um colosso sobre trilhos: com 7,3 km de extensão, 682 vagões e 8 locomotivas para se mover, esse trem é maior que a praia de Copacabana e entrou para o Guinness
-
A pior cidade para se viver no Brasil possui índices tão baixos que se compara a países africanos; conheça
-
5 dicas para ganhar seguidores no TikTok de forma orgânica em 2025
-
Ilha Nula: ilha que não existe mas virou um dos “lugares mais visitados” do planeta, sendo localizada no ponto 0,0 da Terra
A genética dos Sherpas apresenta adaptações únicas para grandes altitudes incluindo o gene EPAS1, conhecido como “gene do superatleta”, que regula a produção de hemoglobina e dobra a taxa de óxido nítrico no organismo, garantindo maior eficiência no uso de oxigênio em altitudes acima de 8000 metros. Estudos de 2010 identificaram mais de 30 variantes genéticas críticas para essa adaptação, destacando a afinidade com populações tibetanas e han.
Em 2014 uma avalanche na Cascata de Gelo de Khumbu ceifou 16 vidas de guias sherpas em 18 de abril e, no ano seguinte, o terremoto de magnitude 7,8 causou mais 10 mortes. A tragédia de 2014 foi o segundo desastre mais letal na história do Everest e motivou uma greve intensa até que o governo do Nepal oferecesse compensações mínimas de 40 000 rúpias por família afetada.
Apesar dos riscos, os Sherpas mantêm alta demanda: estrangeiros pagam US$11.000 apenas pela permissão de escalada no lado Sul, além de taxas de instalação de cordas por equipes chamadas Icefall Doctors e coletas de resíduos. Opções com operadoras nepalesas podem reduzir o valor total para US$35.000, mas isso eleva a pressão sobre os guias locais que acumulam jornadas extenuantes.
Hoje o termo Sherpa extrapola a etnia e virou sinônimo de mentor ou apoio em outras áreas, ganhando status de marca em programas de treinamento e eventos corporativos. Essa evolução linguística reforça a reputação internacional dos Sherpas como verdadeiros “super-heróis do Everest”.
Logística das expedições e custos
As expedições modernas ao Everest podem durar até 70 dias e exigem logística complexa. Cada equipe conta com até 30 Sherpas para fixar rotas, instalar escadas e preparar abrigos em cinco acampamentos. O trajeto pela Cascata de Gelo de Khumbu é refeito mais de 30 vezes por temporada pelos guias locais, enquanto clientes passam apenas duas ou três vezes.
As operadoras ocidentais podem cobrar até US$90000 por expedição, oferecendo ratio maior de Sherpas por alpinista e infraestrutura de ponta: geradores, pisos de madeira, tendas climatizadas e suporte médico com helicóptero. Em contrapartida, operadoras nepalesas são mais econômicas, mas podem contar com equipes reduzidas e menos recursos de resgate.
O processo de preparação começa meses antes, com cursos de inglês para sherpas e treinamentos de primeiros socorros. A exigência de seguro de vida e evacuação médica agora é obrigatória, cobrindo gastos que podem ultrapassar US$10.000 somente em caso de resgate aéreo. Isso reflete avanços na profissionalização dos guias, que recentemente foram incorporados à UIAGM e podem obter certificação internacional.
Além de fixar cordas e carregar suprimentos, os Sherpas realizam missões de resgate em altitudes críticas. Cada garrafa de oxigênio custa US$465 e um alpinista consome em média sete delas, mas muitos Sherpas não usam cilindros para garantir máxima resistência orgânica, fruto de séculos de evolução.
O turismo de altitude gerou US$300 milhões em receitas para o Nepal em 2019 e sustenta milhares de famílias sherpas que dependem exclusivamente das temporadas de escalada para sobreviver. Mesmo assim, o reconhecimento institucional e a compensação financeira ainda aquém dos riscos vividos nas alturas.
Demografia e tradições comunitárias
Em termos demográficos existem hoje cerca de 250.637 Sherpas no Nepal conforme censo de 2023, além de comunidades significativas na Índia, Butão, China e Estados Unidos. A maior colônia fora da Ásia está em Nova York com aproximadamente 16 800 pessoas. Essas diásporas mantêm tradições culturais por meio de conselhos e festivais regionais.
Os Sherpas preservam construções tradicionais em pedra com telhados de metal e espaços internos para deidades e animais. Cada lar é erguido com cerimônias que envolvem toda a comunidade, reforçando laços sociais e respeito à terra sagrada do Parque Nacional Sagarmatha.
Socialmente as festas sherpas seguem regras de etiqueta milenar: bebidas são servidas inicialmente, depois refeições e, por fim, horas de dança e canto. A prática conhecida como Yangdzi garante cooperação mútua entre vizinhos e fortalece o tecido comunitário.
Desafios atuais e perspectivas futuras para os Sherpas
O ciclo de riscos e recompensas no Everest reflete dilemas modernos do turismo de aventura: os Sherpas enfrentam condições extremas por remuneração média de US$6000 em três meses, enquanto operadoras ocidentais lucram com valores até quinze vezes maiores. Essa disparidade levou a debates sobre equidade salarial e segurança no Himalaia.
Entidades como a Sagarmatha Pollution Control Committee cobram depósitos para coleta de lixo e resíduos humanos, garantindo preservação ambiental, mas com custos repassados aos participantes. Já iniciativas de sustentabilidade buscam reduzir o impacto cultural e ecológico no Parque Nacional.
O documentário Sherpa expõe a insatisfação das comunidades após 2014, mostrando reuniões onde guias questionam: “Como podemos cruzar sobre os corpos de nossos irmãos?” Essa frase ilustra o peso ético envolvido em continuar a temporada após tragédias.
Os alpinistas internacionais enfrentam dilemas financeiros e morais: pagar milhares de dólares para subir o cume ao custo de vidas locais. Em 2018 aproximadamente 118 Sherpas morreram entre 1921 e 2018 o que reforça a urgência de políticas de suporte e compensação justas.
Para o público de aventura e montanhismo fica a reflexão: o que vale mais a sua conquista se não houver justiça e respeito por quem realmente carrega o fardo da escalada?