Escassez de trabalhadores formais preocupa a construção civil no Norte e Nordeste, onde empresários relatam recusas a vagas por medo de perda do Bolsa Família. Especialistas discutem propostas de flexibilização e revelam impactos econômicos e sociais.
A falta de trabalhadores formais já pressiona a construção civil no Norte e no Nordeste, onde empresas relatam recusas a vagas com carteira assinada por receio de perda do Bolsa Família.
Executivos do setor e economistas ouvidos pelo canal CNN Brasil no último sábado (13) apontam que a competição entre salários de entrada e benefícios sociais dificulta a adesão ao emprego formal e defendem ajustes nas regras para estimular a contratação.
Desemprego baixo e pressão por contratações
O país opera com desemprego historicamente baixo, de 5,8% no trimestre encerrado em julho. O saldo de 1,52 milhão de empregos foi registrado no acumulado do ano até aquele mês.
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Ainda assim, empresas da construção relatam dificuldades para preencher posições. Para Cristiano Gregorius, diretor-executivo do Sienge, o problema é estrutural.
Ele afirma haver um descompasso entre o que os canteiros exigem — qualificação, esforço físico e rotina intensa — e as novas expectativas de carreira de quem busca emprego.
Competição entre salário e Bolsa Família
A leitura de parte dos especialistas é que a competitividade entre remunerações iniciais e o valor percebido do benefício social pesa na decisão de aceitar ou não uma vaga.
Daniel Duque, pesquisador associado do FGV Ibre, resume o efeito sobre a participação no mercado de trabalho: “As pessoas têm mais medo de perder uma coisa do que vontade de ganhar alguma coisa”.
Segundo ele, a rotatividade típica de um mercado volátil alimenta a insegurança: o trabalhador pode melhorar hoje, mas teme ficar desprotegido em dois ou três anos.
Flexibilização nas regras do programa
Em maio, o governo promoveu uma flexibilização no desenho do Bolsa Família.
Famílias que superarem o limite de R$ 218 por pessoa e mantiverem renda de até R$ 706 podem permanecer por 12 meses no programa, recebendo 50% do valor a que teriam direito.
Duque avalia que a perda rápida de parte do benefício, mesmo com a regra de transição, acende a insegurança de quem cogita voltar ao emprego formal, sobretudo em ocupações sujeitas a variações de demanda.
Norte e Nordeste concentram beneficiários
O quadro é mais evidente no Norte e no Nordeste.
Levantamento do Hub do Investidor, com base em dados do Ministério do Desenvolvimento Social e do Caged, indica que em 12 estados dessas regiões há mais famílias no Bolsa Família do que trabalhadores com carteira assinada.
O sócio fundador Jayme Simão enxerga correlação com a elevação do benefício para R$ 600 na pandemia.
Segundo ele, a proporção de famílias atendidas cresceu e a relação nunca voltou ao patamar anterior.
Ele cita o contraste com Santa Catarina, onde, para cada família beneficiada, haveria 11 vínculos CLT, enquanto no Norte e no Nordeste a relação se inverte.
Jovens e construção civil
Estudos do FGV Ibre apontam que, mesmo na versão reformulada do programa, há desestímulo à participação na força de trabalho de homens jovens, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
Esse público é descrito como predominante nos canteiros de obras.
Duque observa que “homens jovens são a maior parte da mão de obra da construção civil”, o que ajuda a explicar por que o setor tende a ser mais afetado do que outros.
Empresários defendem ajustes
Dirigentes da construção civil fazem duas ressalvas. De um lado, reafirmam a importância do Bolsa Família para famílias vulneráveis.
De outro, alegam que o desenho atual reduz a adesão ao emprego formal.
“A gente é a favor do Bolsa Família, quem tem o mínimo de bom senso sabe que as pessoas necessitadas precisam ter”, diz André Bahia, empresário de construção de baixa renda e diretor institucional do FNNIC.
Na avaliação dele, a calibragem do programa teria gerado “disfunções” e uma sensação de pleno emprego que não é, com pessoas “vivendo de Bolsa Família e deixando de buscar trabalho”, o que recai com mais força sobre a construção.
No mesmo sentido, Luiz França, presidente da Abrainc, aponta que a informalidade tem ganhado espaço e afasta jovens do setor.
Ele reconhece que a flexibilidade atrai, mas reforça que “o trabalho formal protege uma classe de trabalhadores quando deixarem de trabalhar”.
Para as empresas, a consequência prática é maior rotatividade e custos de treinamento sem garantia de retenção.
Proposta de “desmame” gradual
Com a dificuldade relatada para contratar e reter trabalhadores, representantes do setor manifestaram apoio a uma mudança legal para incentivar a formalização.
O deputado Pauderney Avelino (União-AM) apresentou uma proposta de lei que cria um “desmame” do Bolsa Família no caso de ingresso em emprego formal.
A ideia é permitir que o beneficiário mantenha o valor integral no primeiro ano após a contratação. Se houver perda do emprego, o retorno ao benefício integral seria automático.
A partir daí, o auxílio seria reduzido gradualmente, 20 pontos percentuais por ano, até zerar no quinto ano.
Segundo o parlamentar, a medida busca viabilizar a transição e proteger a renda durante a adaptação à formalização.
“Exatamente por conta dessa dificuldade de mão de obra, sobretudo na construção civil, apresentamos a proposta”, afirmou.
Empresários do setor avaliam que um cronograma previsível de redução poderia diminuir o receio da perda abrupta do benefício e ampliar a adesão à carteira assinada.
Ganhos e riscos em debate
Para defensores da proposta, uma regra de transição mais longa e previsível teria potencial de elevar a participação no mercado formal sem fragilizar famílias vulneráveis.
Ela também poderia aumentar a produtividade de setores intensivos em mão de obra, como a construção.
Especialistas acrescentam que a qualificação profissional e a melhoria das condições de trabalho nos canteiros seguem como fatores decisivos para ampliar a atração e retenção de trabalhadores, independentemente do desenho do benefício.
Movimentos do setor privado
Enquanto a discussão legislativa avança, empresas reportam iniciativas próprias para elevar salários de entrada, oferecer treinamento e aprimorar benefícios, tentando recompor a adesão ao emprego formal.
Gestores também estudam ajustes operacionais para reduzir a rotatividade e incorporar tecnologias que aliviem o esforço físico, um dos fatores citados por candidatos ao recusarem vagas.
O debate sobre como alinhar proteção social e emprego formal segue em aberto e deve permanecer no centro das discussões entre governo, empresários e especialistas.
Quais caminhos podem tornar o mercado de trabalho mais atraente sem reduzir a rede de proteção social garantida pelo Bolsa Família?