Rio Grande do Sul enfrenta uma grave escassez de mão de obra, que atinge indústrias e comércio. Setores como construção civil e produção calçadista sofrem com alta rotatividade e dificuldade de atração de profissionais qualificados.
Em um cenário que tem deixado empresários de diversos setores em estado de alerta, a escassez de mão de obra qualificada começa a impactar de forma crítica a economia do Sul do Brasil.
A dificuldade de encontrar profissionais para vagas essenciais na indústria, construção civil e comércio não apenas afeta a produção, como também eleva os custos operacionais e impõe um ritmo mais lento às empresas. Embora o problema já fosse visível nos últimos anos, ele tem se agravado, segundo dados recentes.
Segundo a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), o terceiro trimestre de 2024 trouxe dados preocupantes: cerca de 27% dos empresários industriais no estado declararam que a falta ou o alto custo de trabalhadores qualificados é uma das principais dificuldades para a continuidade das operações.
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Trata-se do maior índice registrado desde 2014, refletindo o agravamento dessa situação e colocando o estado em uma posição de alerta.
Setores estratégicos enfrentam crise
De acordo com o jornal Zero Hora, a construção civil é uma das áreas mais afetadas pela falta de profissionais.
Com a alta rotatividade e a empregabilidade em níveis elevados, as empresas têm dificuldade em manter trabalhadores qualificados em áreas técnicas, como acabamento e instalação elétrica, essenciais para o andamento de obras.
De acordo com o presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), Claudio Teitelbaum, a situação está tão acirrada que muitos trabalhadores acabam sendo disputados entre empresas da mesma indústria, levando a uma escalada nos salários e incentivando ainda mais o movimento de troca de emprego em busca de melhores condições.
Dentro das construtoras, as funções de pedreiros, carpinteiros e especialistas em revestimento têm sido as mais prejudicadas, com aumento significativo nos custos.
O diretor de engenharia da Cyrela Goldsztein, Gustavo Navarro, destacou que o salário de um pedreiro de alvenaria, por exemplo, subiu 30% nos últimos dois anos, evidenciando o peso dessa escassez para o setor.
Empresas como a MRV também enfrentam entraves semelhantes, principalmente em atividades especializadas, como pintura e encanamento, fundamentais para a conclusão dos projetos.
A economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, aponta ainda que o comércio também enfrenta desafios com a falta de candidatos para posições temporárias, especialmente em épocas de maior movimento no varejo.
Segundo Palermo, muitos trabalhadores não estão dispostos a assumir compromissos temporários ou com horários flexíveis, o que restringe as possibilidades para o varejo e gera uma desconexão entre a oferta de vagas e a procura de profissionais.
Os motivos para a escassez de trabalhadores
Segundo especialistas, a alta rotatividade e a busca constante por melhores condições salariais são fatores que contribuem para essa escassez de mão de obra.
Os trabalhadores qualificados, especialmente os mais jovens, não demonstram a mesma fidelidade às empresas que se observava em gerações anteriores.
Hoje, muitos preferem mudar de trabalho, área ou até região em busca de novas oportunidades e desafios, um comportamento que os empresários e gestores afirmam ser incentivado pela competitividade salarial.
De acordo com a economista Maria Carolina Gullo, professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), o mercado de trabalho aquecido gera um ciclo de rotatividade que encarece o “capital humano” no estado.
“Essas novas gerações não têm receio de trocar de carreira, e buscam por remuneração competitiva ou mesmo por satisfação pessoal”, explica Gullo, destacando que a dificuldade em reter jovens é um dos grandes entraves do setor.
Esse fenômeno leva muitas empresas a gastar ainda mais com salários e benefícios para atrair e manter profissionais qualificados.
Além disso, as transformações demográficas do Rio Grande do Sul também desempenham um papel crucial nesse processo.
Conforme o presidente da Fiergs, Claudio Bier, a população do estado está envelhecendo mais rapidamente que a média nacional, o que reduz o número de jovens disponíveis no mercado.
Segundo ele, a falta de programas eficazes para atrair jovens de outros estados e a prevalência de auxílios sociais, que desestimulam o trabalho formal, são entraves adicionais para o setor produtivo da região.
Pequenas empresas e o impacto da falta de mão de obra
Outro fator relevante é que a escassez afeta principalmente empresas de pequeno porte.
A Fiergs aponta que 36,1% dos pequenos empreendimentos enfrentam dificuldades com a falta de mão de obra qualificada, o que os deixa em desvantagem na competição por profissionais.
Em contrapartida, as empresas médias e grandes têm menos problemas de retenção, pois conseguem oferecer melhores pacotes de remuneração e benefícios, embora também sintam o peso do aumento nos custos para atrair trabalhadores.
No setor calçadista, a situação é similar. Empresas de fabricação de calçados relatam dificuldade em preencher vagas técnicas, especialmente para posições de costurador.
Segundo o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, a falta de profissionais qualificados pode comprometer a produção de itens voltados para o próximo ano, colocando em risco a capacidade do setor de atender a demandas futuras.
O futuro do mercado de trabalho no Sul
Para enfrentar esses desafios, o governo do estado, em conjunto com a Fiergs e outras entidades, tem discutido a criação de estratégias de desenvolvimento econômico.
Entre as propostas estão investimentos em programas de capacitação profissional e incentivos para atrair jovens para a indústria e a construção civil, além de políticas para estimular a permanência de trabalhadores locais no mercado formal.
O objetivo é combater a rotatividade e facilitar o acesso dos empreendedores a um quadro de trabalhadores estável e qualificado.
Diante desse panorama, resta a dúvida: o Rio Grande do Sul conseguirá reverter o quadro de falta de mão de obra qualificada e garantir a competitividade dos setores estratégicos?