Força das marés pode gerar eletricidade limpa, mas custos e impactos ainda limitam a expansão da tecnologia
Apesar dos avanços globais na descarbonização, os combustíveis fósseis ainda dominam a matriz energética mundial, segundo o Panorama do Setor Energético Mundial divulgado pela PUC-Rio em 2024. No Brasil, porém, as emissões estão mais ligadas ao desmatamento e às queimadas do que à produção elétrica. Mesmo assim, a busca por alternativas limpas avança, e a energia maremotriz surge como uma opção ousada.
Especialistas ressaltam que essa fonte utiliza o movimento das marés para gerar eletricidade, aproveitando a energia cinética do oceano. Embora seja considerada renovável e limpa, os altos custos e os impactos ambientais ainda dificultam sua adoção em larga escala.
Avanços técnicos e barreiras de instalação
O professor Frederico Tigroso, da Universidade Federal do ABC e doutor em Energia pela USP, afirmou em 2023 que a construção de usinas maremotrizes altera a salinidade, a sedimentação e a turbidez da água. Além disso, ele destacou prejuízos para a navegação, a pesca e a recreação costeira, sem ignorar impactos visuais e sonoros das turbinas.
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Outro desafio é o custo. As turbinas e hélices precisam ser muito resistentes, já que a densidade da água é 800 vezes maior do que a do ar. Como resultado, o investimento inicial torna-se muito mais alto do que em fontes como a eólica.
Conforme reforçou Tigroso em 2022, a viabilidade técnica exige condições específicas. O desnível mínimo entre as marés deve ser de 7 metros, e a velocidade média das correntes precisa atingir pelo menos 2 m/s.
Exemplos internacionais de geração
A energia maremotriz já opera em países como França e Coreia do Sul. A usina La Rance começou a funcionar em 1967, com cerca de 250 MW de potência, e a usina de Sihwa iniciou suas operações em 2011, também com capacidade aproximada de 250 MW.
Embora ambas entreguem energia competitiva, os impactos ambientais foram diferentes. Em La Rance, o fechamento do estuário em 1970 trouxe efeitos negativos. Contudo, em 1976, um novo equilíbrio ecológico surgiu. Pesquisas de 1980 mostraram que a área abrigava 110 espécies de vermes, 47 de crustáceos e 70 de peixes.
Em Sihwa, os resultados apareceram de forma mais positiva. Além de gerar eletricidade, a usina ajudou a recuperar um lago poluído por resíduos industriais e ofereceu uma nova área de lazer para a população.
Potencial brasileiro e experiências recentes
No Brasil, o maior potencial está no litoral Norte e Nordeste. Em 2012, o país inaugurou a usina-teste de Pecém, no Ceará, que foi interrompida em 2016 e retomada em 2017. Essa experiência mostrou que, apesar da viabilidade, os impactos ambientais em áreas de biodiversidade exigem cautela.
Segundo Tigroso, uma alternativa promissora é o uso de turbinas submersas que funcionam com as correntes marítimas, em modelo semelhante ao dos aerogeradores. Dessa forma, seria possível reduzir a necessidade de barragens e minimizar danos ambientais.
Impactos ambientais e sociais em debate
Assim como nos exemplos internacionais, especialistas defendem que a energia maremotriz precisa de estudos ambientais rigorosos. A experiência francesa demonstrou que, após o desequilíbrio inicial, um novo ciclo ecológico trouxe aumento da biodiversidade. Na Coreia do Sul, o modelo foi capaz de aliar geração elétrica e recuperação ambiental.
No Brasil, porém, os ecossistemas costeiros apresentam maior sensibilidade. A região Norte concentra espécies únicas e muito vulneráveis. Por isso, pesquisadores defendem transparência, cooperação e planejamento para a expansão da maremotriz.
O futuro da energia dos oceanos
Com o avanço das mudanças climáticas, especialistas apontam a energia oceânica como peça-chave da transição energética. Tigroso reforçou em 2024 que universidades, empresas e governos precisam trabalhar juntos no desenvolvimento de tecnologias mais eficientes.
Além da maremotriz, outras fontes ligadas ao mar, como energia das correntes, das ondas e do gradiente térmico, também estão em análise. O grande desafio será conciliar inovação, custos e preservação ambiental.
Dessa forma, a questão central permanece: será possível transformar a força das marés em eletricidade limpa sem comprometer os oceanos?