Agricultores americanos enfrentam repetição de 2019: safra promissora, mas guerra comercial com a China mantém preços da soja em baixa histórica
Para os agricultores que percorrem o Heartland, região central dos Estados Unidos, a sensação é de repetição. O ano de 2019 parece ter voltado. Isso porque Donald Trump retornou ao poder, a guerra comercial com a China ganhou força novamente e os preços da soja seguem próximos dos níveis mais baixos em anos. Além disso, a perspectiva de safras maiores contribui para um ambiente ainda mais desafiador.
Esse cenário ficou evidente no Pro Farmer Crop Tour, que começou na segunda-feira e percorre sete estados até chegar a Minnesota, na quinta-feira.
Mais de 40 produtores, analistas e jornalistas participam da jornada. Muitos lembram que, em 2019, encontraram condições muito semelhantes.
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Naquele ano, as tensões eram tão altas que até um funcionário do Departamento de Agricultura dos EUA sofreu ameaças.
Hoje o ambiente é mais calmo, mas a ansiedade cresce. O mais importante: os EUA ainda não venderam sequer uma carga de soja da safra que será colhida a partir do próximo mês.
Vozes do campo
“Eu só queria que eles começassem a comprar novamente”, disse Bill Timblin, agricultor de Nebraska que participa da turnê.
A declaração sintetiza a preocupação de produtores que formam um bloco eleitoral relevante para Trump e agora encaram incertezas na hora da colheita.
Caleb Ragland, presidente da Associação Americana de Soja, enviou carta ao presidente. Nela, alertou que os produtores estão próximos de um “precipício comercial e financeiro” e não resistiriam a uma guerra prolongada contra a China.
Ele pediu um acordo que elimine as tarifas. “Os produtores de soja estão sob estresse financeiro extremo”, escreveu. Os custos de insumos e equipamentos aumentam, enquanto os preços continuam em queda.
Um índice de preços de grãos monitorado pela Bloomberg atingiu neste mês o menor nível desde a pandemia de 2020, sinalizando dificuldades adicionais.
Resultados da turnê
As primeiras estimativas do Pro Farmer Crop Tour indicam safras de milho maiores em todos os estados, com exceção de Illinois. Em relação à soja, apenas Indiana apresentou números abaixo do ano passado.
Até agora, os participantes visitaram Ohio, Dakota do Sul, Indiana, Nebraska, Illinois, Iowa e Minnesota. O resultado final será divulgado na sexta-feira.
O USDA projeta safra recorde de milho a partir de setembro. Embora os produtores tenham reduzido o plantio de soja, o rendimento deve atingir recorde.
Portanto, mesmo com produção menor que a do último ano, a colheita tende a ser robusta.
Em condições normais, a China compra, em média, 14% de sua soja dos EUA antes mesmo do início da colheita em setembro.
Neste ano, isso não aconteceu. Essa ausência pesa desde Chicago até os portos do noroeste do Pacífico, principais corredores de exportação para a Ásia.
Perspectivas no comércio
Steve Swanhorst, agricultor de Dakota do Sul, disse que não ficou surpreso. Para ele, Trump sempre deixou claro seus planos, inclusive em relação a tarifas e imigração.
“Tínhamos que saber que as coisas iam ficar difíceis”, comentou. Ainda assim, reconheceu que o presidente não tem medo de arriscar. “Você tem que dar algum crédito a Trump porque ele não tem medo de sair da caixa.”
Já Chip Flory, anfitrião do tour desde 1988, manteve o otimismo. “A China precisa de soja”, disse. “Vai chegar um momento em que eles terão de reservar grãos.”
Em Washington, o discurso foi semelhante. Jim Sutter, diretor executivo do Conselho de Exportação de Soja dos EUA, afirmou estar confiante de que algum tipo de acordo será firmado em breve. “Não sabemos exatamente quando”, disse.
Novos destinos
Autoridades americanas também destacam alternativas fora da China. Luke Lindberg, subsecretário de comércio do USDA, explicou que o governo criou oportunidades reais para abrir novos mercados.
Segundo ele, as vendas para outros países já aumentam. “As colheitadeiras estão funcionando, e precisamos vender essa safra de soja em todo o mundo”, declarou. “Há acordos no horizonte que terão impacto significativo para o agricultor americano.”
Apesar do tom positivo, o clima de incerteza segue forte. A ausência chinesa nas compras causa preocupação em um momento de expectativa por grandes colheitas. Isso reforça o medo de queda ainda maior nos preços.
Memórias recentes
Na Feira Estadual de Iowa, o clima foi de alerta. Aaron Lehman, presidente do Iowa Farmers Union, lembrou que durante a primeira guerra comercial de Trump, a China buscou soja na América do Sul.
“Da última vez que passamos por isso, perdemos muitos clientes no exterior e eles não voltaram”, disse. Ele cultiva milho, soja e feno no Condado de Polk.
O dirigente destacou que o comércio é a principal preocupação hoje. “Sabemos que há coisas que precisamos fazer para chegar a um comércio justo para os agricultores, mas não estamos chegando mais perto disso com essa abordagem.”
Portanto, enquanto as máquinas se preparam para iniciar a colheita, os agricultores encaram um dilema. De um lado, uma safra promissora.
Do outro, a incerteza sobre o maior comprador. A lembrança de 2019, agora reeditada, reforça o sentimento de que a história pode se repetir — com riscos ainda maiores para o campo americano.
Com informações de Bloomberg Línea.