Criado pela Lei 13.465/2017, o instituto jurídico permite transformar construções sobrepostas em imóveis independentes, com registro no cartório e possibilidade de venda autônoma.
Em muitas cidades brasileiras, sobretudo nas grandes metrópoles, é comum encontrar casas construídas uma sobre a outra. O filho que ergue uma moradia em cima da casa dos pais, o irmão que aproveita a estrutura já existente para levantar um novo andar, ou até famílias que compartilham o mesmo terreno dividindo a construção em níveis. Durante anos, essas situações ficaram em um limbo jurídico: não havia como formalizar essas unidades no cartório de registro de imóveis, o que impedia a venda, a transmissão por herança e até o acesso a financiamentos.
Foi para dar resposta a essa realidade que surgiu o Direito Real de Laje, criado pela Lei 13.465/2017, que incluiu os artigos 1.510-A e seguintes no Código Civil. A lei reconhece que a construção sobreposta pode ser mais do que uma extensão da casa original: ela pode se tornar um imóvel autônomo, com matrícula própria e direitos de propriedade reconhecidos.
Como funciona a matrícula própria
O ponto central do instituto é a possibilidade de abrir uma matrícula individual no cartório de registro de imóveis para a unidade construída em cima (ou embaixo) da edificação-base. Com isso, o titular da laje passa a ter direitos semelhantes aos de qualquer proprietário: pode usar, alugar, vender, doar ou transmitir o bem por herança.
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Essa mudança tem um impacto profundo. Imagine o filho que construiu em cima da casa dos pais e, até então, não tinha nenhuma segurança sobre seu investimento. Com a matrícula própria, ele pode vender sua parte, registrar o imóvel em seu nome, contratar um financiamento usando a unidade como garantia e até transferi-la legalmente para seus filhos. O imóvel, que antes estava fora do mercado formal, passa a ter valor de troca e reconhecimento patrimonial.
O que a lei muda em relação ao terreno
É importante destacar, no entanto, que o direito real de laje não é idêntico a um condomínio tradicional. O titular da laje não adquire fração ideal do terreno onde a construção está erguida. Em outras palavras, o solo continua pertencendo ao dono da casa original, e o novo proprietário da laje não tem participação automática em áreas comuns, como quintais ou garagens.
Esse detalhe jurídico diferencia a laje de outros regimes de propriedade. O que se cria é uma unidade independente “em cima”, mas sem compartilhar a propriedade do solo. Essa solução foi pensada para dar segurança às construções sobrepostas sem gerar conflitos ainda maiores sobre a divisão da terra.
A venda e o direito de preferência
Outro aspecto importante está ligado à comercialização dessas unidades. O titular da laje pode vender sua parte livremente, mas a lei estabelece uma ordem de preferência. Primeiro, o proprietário da edificação original tem o direito de comprar a laje, caso ela seja colocada à venda. Se ele não exercer esse direito, outros titulares de lajes na mesma construção podem manifestar interesse. Somente depois é que a venda pode ser feita a terceiros.
Essa regra evita disputas internas e dá maior estabilidade jurídica às relações entre vizinhos. Ainda assim, a novidade representa um avanço significativo, pois abre espaço para um mercado imobiliário que antes era invisível: o das moradias sobrepostas, muito comuns em áreas urbanas densas.
Impactos sociais e urbanos
A criação do direito real de laje atende a uma necessidade social urgente. No Brasil, estima-se que milhões de famílias vivam em construções erguidas sobre lajes, principalmente em comunidades e bairros populares. Antes da lei, essas unidades não podiam ser formalizadas, o que dificultava o acesso a crédito, a transmissão por herança e até a valorização patrimonial.
Com a possibilidade de registro individual, essas famílias ganham segurança jurídica e passam a ser reconhecidas pelo sistema imobiliário oficial. Isso significa que imóveis antes considerados “informais” podem entrar no mercado formal, gerando valorização para seus proprietários e maior arrecadação para os municípios, que passam a cobrar impostos individualizados.
Desafios e limitações
Apesar do avanço, o direito real de laje ainda enfrenta obstáculos. A regularização depende de normas urbanísticas municipais, o que pode limitar a aplicação em certas áreas. Além disso, conflitos familiares continuam sendo comuns quando há várias construções sobre o mesmo terreno. Outro ponto é que, sem a fração ideal do solo, a laje tende a ter um valor patrimonial inferior ao de imóveis em condomínios convencionais.
Mesmo com essas limitações, especialistas em direito imobiliário avaliam que o instituto trouxe mais benefícios do que problemas. Ao transformar em lei uma prática corriqueira, ele contribui para a regularização fundiária e fortalece o direito à moradia digna.
Um marco na legislação brasileira
O Direito Real de Laje é um marco na legislação brasileira porque reconhece formalmente aquilo que já fazia parte do cotidiano urbano: casas construídas sobre outras casas. Ao permitir a criação de matrícula própria e a venda autônoma dessas unidades, a lei garante segurança jurídica, abre portas para o mercado imobiliário formal e oferece novas possibilidades de valorização patrimonial para milhões de brasileiros.
Mais do que um detalhe técnico do Código Civil, esse instituto representa uma inovação social, capaz de transformar lajes em patrimônios reconhecidos, transferíveis e negociáveis, trazendo dignidade e perspectivas para famílias que sempre viveram à margem do sistema formal de propriedade.