Em uma década, o preço do carro mais barato no Brasil quase triplicou, e o conceito de “popular” mudou. Equipamentos antes considerados luxo viraram padrão, e a faixa de entrada subiu para além dos R$ 70 mil.
Em dez anos, o preço de entrada do carro zero no Brasil saltou de R$ 27.590 para R$ 73.490.
Em 2015, o posto era do Fiat Palio Fire 1.0 de duas portas; em 2025, pertence ao Citroën C3 Live 1.0.
A elevação se explica por uma combinação de itens de segurança que viraram obrigatórios, novos padrões de equipamentos e reposicionamento das marcas — mudanças que deslocaram o conceito de “popular” para uma faixa de valor mais alta.
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O Palio de R$ 27 mil: o que vinha — e o que ficava de fora
Lançado nos anos 2000, o Palio Fire atravessou gerações como porta de entrada da Fiat.
Em junho de 2015, a linha 2016 chegou às concessionárias por R$ 27.590 na configuração 1.0 duas portas, ou R$ 29.920 com quatro portas.
O atrativo principal era o preço.
O pacote básico trazia acabamento simples e equipamentos essenciais, mas sem confortos como ar-condicionado e direção hidráulica na versão mais barata.
Essas conveniências apareciam em séries e pacotes superiores, que elevavam o valor final acima dos R$ 30 mil.
Na virada para 2016, a Fiat manteve o foco em custo baixo no Fire e separou melhor os papéis: o “Novo Palio”, de projeto mais recente, oferecia ar-condicionado e direção hidráulica de série, enquanto o Fire segurava o preço com uma lista enxuta no modelo de entrada.
O posicionamento ajudou a manter o título de carro mais barato do país no período.
O C3 de R$ 73 mil e o novo patamar de equipamentos
O cenário atual é outro.
Em março de 2025, o Citroën C3 Live 1.0 assumiu a liderança entre os mais baratos com preço sugerido de R$ 73.490.
Ainda que ocupe a base da linha, ele já entrega ar-condicionado, direção elétrica, controle de estabilidade (ESC), assistente de partida em rampa, monitoramento de pressão dos pneus, vidros e travas elétricas.
A central multimídia com tela de 10 polegadas — destaque do título desta reportagem — é item de série nas versões superiores (Live Pack em diante); a versão Live não traz a tela de fábrica.
No retrovisor do ranking aparecem Renault Kwid Zen 1.0 e Fiat Mobi Like 1.0, ambos também reposicionados para patamares acima de R$ 77 mil na tabela de 2025.
A lista reforça que não há mais carro zero-quilômetro abaixo de R$ 70 mil no país.
Segurança obrigatória mudou a régua do “básico”
Duas viradas regulatórias ajudam a entender por que o carro mais barato hoje entrega mais — e custa mais.
A primeira foi a obrigatoriedade de airbags frontais e freios ABS, válida desde janeiro de 2014.
A segunda, mais recente, foi a exigência de controle eletrônico de estabilidade e outros recursos de segurança em todos os automóveis novos produzidos ou importados a partir de 1º de janeiro de 2024.
Essas medidas elevaram o padrão mínimo de segurança, algo impensável nos populares de dez anos atrás.
Além do pacote de segurança, modelos de entrada passaram a incorporar conectividade e conveniências valorizadas pelo consumidor, como direção elétrica, assistentes eletrônicos e, nas versões imediatamente acima das básicas, centrais multimídia com espelhamento sem fio.
O C3 é um exemplo: a tela de 10” aparece a partir do Live Pack, não na versão que fixa o menor preço de tabela.
Inflação x preço real: quanto encareceu o carro de entrada
Corrigir R$ 27.590 de 2015 pela inflação mostra parte do salto.
Considerando o IPCA acumulado entre meados de 2015 e setembro de 2025 — cerca de 75% —, aquele valor equivaleria hoje a algo em torno de R$ 48,4 mil.
Mesmo assim, o carro de entrada efetivamente mais barato do mercado está mais de R$ 25 mil acima desse montante, o que indica aumento real para além da inflação.
A conta usa o IPCA do IBGE como índice de referência e a metodologia da Calculadora do Cidadão do Banco Central.
Por que o “popular” sumiu das prateleiras
Vários fatores empurraram os preços.
Além das normas de segurança, a indústria absorveu custos de emissões e de eletrônica embarcada, especialmente após a pandemia, quando cadeias de suprimentos ficaram pressionadas.
Montadoras também revisaram suas estratégias de portfólio, priorizando margens e itens de maior valor percebido.
O resultado foi o encolhimento do nicho que, nos anos 1990 e 2000, sustentava o conceito de “carro popular”.
Enquanto isso, o consumidor passou a encontrar na base versões com menos adereços, mas já munidas de segurança ativa e assistentes eletrônicos antes restritos a segmentos superiores.
Em paralelo, as telas e sistemas de entretenimento migraram para pacotes e versões um degrau acima, como no caso do C3 Live Pack, repetindo o que a Fiat fazia com os kits do Palio Fire na época.
Quem acompanha na base de preços
A fotografia de 2025 confirma a mudança de patamar.
O Kwid Zen aparece logo atrás do C3 com preço de tabela acima de R$ 77 mil, trazendo quatro airbags e rádio com conectividade.
O Mobi Like ronda a mesma faixa, com ar-condicionado, direção e ESC de série, mas sem central multimídia nas versões de entrada.
O “pacote mínimo” de hoje é, portanto, muito mais recheado do que o de 2015, e isso custa. O contraste entre o Palio Fire de R$ 27 mil e o C3 de R$ 73 mil expõe uma década de avanços técnicos e exigências legais que elevaram a régua do que se entende por “básico”.
Diante desse novo normal, o que você considera indispensável num carro de entrada: segurança completa de série ou uma central multimídia grande?