Após anos de paralisação e um investimento bilionário, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) avança para conectar as novas fronteiras do agronegócio e da mineração a um superporto, mas enfrenta turbulências que ameaçam parar tudo de novo.
A Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), um dos mais ambiciosos projetos de infraestrutura do Brasil, representa a esperança de um novo corredor de exportação para a Bahia. Projetada para ser uma artéria logística vital, a ferrovia busca destravar o potencial do agronegócio e da mineração no estado. No entanto, sua trajetória é marcada por paralisações, controvérsias e uma recente crise que coloca em xeque a conclusão do projeto.
O projeto da ferrovia de integração Oeste-Leste (FIOL)
A ferrovia EF-334, conhecida como FIOL, foi projetada para atravessar o coração da Bahia. Seu traçado de 1.527 quilômetros conecta o futuro Porto Sul, em Ilhéus (BA), a Figueirópolis (TO). Essa conexão integra a FIOL à Ferrovia Norte-Sul, criando um corredor logístico de alta capacidade. O projeto foi dividido em três trechos: FIOL 1 (Ilhéus-Caetité), o mais avançado; FIOL 2 (Caetité-Barreiras), a ponte para o agronegócio; e FIOL 3 (Barreiras-Mara Rosa), a conexão com a malha nacional.
O Porto Sul é a peça central que justifica o investimento na ferrovia. Projetado como um complexo intermodal de última geração, ele será a janela da FIOL para o mundo. Com capacidade para movimentar até 120 milhões de toneladas anuais, o porto tem potencial para se tornar o terceiro maior do Brasil. A lógica do projeto é criar um sistema integrado para escoar tanto o minério de ferro da região de Caetité quanto a crescente produção de grãos do Oeste da Bahia e do MATOPIBA. A interdependência é total: a ferrovia não tem viabilidade sem o porto, e o porto não se justifica sem a carga da ferrovia.
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A “ferrovia fantasma” e os entraves bilionários
Por mais de uma década, a FIOL se transformou em uma “ferrovia fantasma”. A principal causa da paralisação foi a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou irregularidades graves. Entre os problemas estavam projetos básicos deficientes, sobrepreço em insumos e, crucialmente, a falta de integração com o Porto Sul. O TCU alertou que construir a ferrovia sem a garantia do porto poderia gerar um prejuízo de R$ 2 bilhões.
Paralelamente, a falta de verbas públicas e a inércia da estatal Valec (hoje Infra S.A.) agravaram a situação. Mesmo com um investimento público superior a R$ 5,4 bilhões, a empresa não conseguiu entregar a obra. Além dos problemas financeiros e de gestão, o projeto deixou um rastro de conflitos socioambientais, com denúncias de desapropriações injustas e danos ambientais que geraram novas paralisações.
O despertar com a iniciativa privada
A solução para reativar a ferrovia foi transferir o trecho 1 para a iniciativa privada. Em 2021, a Bahia Mineração (Bamin), controlada pelo conglomerado cazaque Eurasian Resources Group (ERG), venceu o leilão. A empresa se comprometeu a investir R$ 3,3 bilhões para concluir e operar o trecho. O interesse da Bamin era estratégico: a ferrovia é o elo vital para transportar o minério de sua mina Pedra de Ferro até seu terminal privativo no Porto Sul. O modelo de “carga na veia” viabilizou a concessão, mas concentrou todo o risco em um único ator privado. As projeções eram otimistas, prevendo a criação de 55.000 empregos.
A crise atual e os riscos para o futuro da ferrovia
O despertar do gigante sofreu um duro golpe em março de 2025. A Bamin anunciou a suspensão das obras da FIOL 1, que estavam 75% concluídas. A decisão foi atribuída a uma crise financeira em sua controladora, a ERG. O Governo Federal reagiu, criando um grupo de trabalho para avaliar o contrato e considerando a saída da Bamin da concessão. A crise na ferrovia comprometeu seriamente o cronograma do Porto Sul, cujas obras marítimas, de responsabilidade da Bamin, sequer começaram. O risco de ter uma “ferrovia sem porto” se tornou uma ameaça real.
Cenários e recomendações estratégicas
O futuro da FIOL depende das decisões dos próximos meses. Três cenários se desenham: a renegociação do contrato com a Bamin, a troca de controle para outro investidor, ou a anulação do contrato e uma nova licitação. Cada opção possui riscos e prazos distintos. O sucesso do projeto exige a mitigação de riscos financeiros, de execução e socioambientais. É crucial sincronizar as obras da ferrovia e do porto. A crise atual revelou a fragilidade do modelo de concessão. A solução de longo prazo talvez não seja apenas trocar o concessionário, mas repensar como o Brasil planeja seus megaprojetos.