Brasil enfrenta déficit de 120 mil motoristas; envelhecimento da categoria e falta de jovens levam empresas a apostar em mulheres, veteranos e automação para manter caminhões nas estradas.
O Brasil vive uma crise estrutural no transporte rodoviário de cargas — um dos setores mais estratégicos da economia nacional. Segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários (FITRANS), o país enfrenta um déficit de mais de 120 mil motoristas profissionais, número que vem crescendo ano após ano e já ameaça o abastecimento e a logística de grandes empresas.
A escassez, que antes parecia um problema isolado em regiões de fronteira, agora é um gargalo nacional. Em 2025, o transporte de cargas responde por cerca de 65% da matriz logística brasileira, movimentando mais de R$ 1 trilhão por ano em mercadorias — mas a frota de caminhões está parada em pátios por falta de quem dirija.
Envelhecimento da categoria e desinteresse dos jovens
O principal fator por trás da crise é o envelhecimento acelerado da categoria. A média de idade dos motoristas brasileiros saltou de 42 anos em 2014 para 48 anos em 2025, segundo levantamento da CNT. Menos de 15% dos novos profissionais têm menos de 30 anos, o que indica uma geração que vem abandonando a estrada.
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O desinteresse tem explicação. A rotina exaustiva, as longas distâncias e os riscos de acidentes e roubos tornam a profissão cada vez menos atrativa. Além disso, o custo para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) profissional categoria E, somado ao curso MOPP (Movimentação de Produtos Perigosos), pode ultrapassar R$ 6 mil, valor inacessível para muitos jovens.
“É uma carreira de sacrifício e estrada, e hoje os jovens buscam estabilidade, conforto e tecnologia”, resume Rafael Telles, diretor da Associação Brasileira de Logística (Abralog). “Sem renovação geracional, o setor corre o risco de entrar em colapso operacional em poucos anos.”
Empresas buscam novos perfis e apostam na inclusão de mulheres
Diante da escassez, empresas de transporte têm buscado alternativas inéditas: formar e empregar mulheres como motoristas de caminhão. De acordo com dados da Associação Brasileira de Condutoras de Veículos (ABCV), o número de motoristas do sexo feminino cresceu 180% nos últimos cinco anos, embora ainda representem menos de 5% da categoria.
Empresas como Randon, Scania e Ambev têm programas específicos para treinar e empregar mulheres em rotas longas, com foco em segurança e conforto. Um dos projetos de maior destaque é o “Elas na Estrada”, criado em 2022, que já formou mais de 4.500 condutoras e reduziu a taxa de rotatividade em até 30%.
“Além de suprir parte do déficit, a presença feminina tem mudado a cultura das estradas”, afirma Rosane Souza, diretora da CNT Mulher. “As empresas relatam menos acidentes e maior cuidado com o veículo e a carga.”
Requalificação e retorno de veteranos
Com dificuldade para atrair novos profissionais, o setor também aposta em requalificar veteranos e ex-motoristas que deixaram a profissão. Parcerias entre transportadoras e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) têm permitido reciclar profissionais com mais de 50 anos, oferecendo atualizações em segurança, condução econômica e direção assistida.
Programas de incentivo oferecem bônus por quilômetro rodado, planos de saúde e diárias ajustadas, tentando reter os mais experientes. Segundo o Sindicam-SP, 1 em cada 4 motoristas recontratados em 2024 tinha mais de 55 anos — algo inédito no setor.
Escassez eleva custos e ameaça a logística nacional
A consequência mais direta da falta de motoristas é o aumento nos custos logísticos. Fretes subiram em média 18% entre 2023 e 2024, e o tempo médio de entrega em rotas interestaduais aumentou em até dois dias.
“Há empresas que preferem manter o caminhão parado do que colocar um condutor sem experiência”, diz Manoel Cardoso, gerente da cooperativa Coopercarga. “Isso cria gargalos em cadeias sensíveis, como alimentos e combustíveis.”
O impacto também atinge o agronegócio, responsável por mais de 30% das cargas transportadas. Durante a safra 2024/2025, terminais logísticos em Goiás, Mato Grosso e Paraná registraram filas de até 10 km por falta de caminhoneiros disponíveis.
Automação e veículos autônomos: solução ou ameaça?
Enquanto busca atrair novos motoristas, o setor também olha para o futuro. Montadoras e transportadoras testam veículos autônomos e sistemas semiautomatizados, capazes de reduzir a dependência humana em rotas longas e repetitivas.
A Scania e a Mercedes-Benz já realizam testes com caminhões autônomos de nível 4 em corredores controlados do Sudeste, enquanto startups nacionais desenvolvem sistemas de condução assistida adaptados à frota brasileira.
Contudo, especialistas alertam que a automação não deve substituir os motoristas humanos a curto prazo. “O caminhoneiro ainda é indispensável no embarque, no controle da carga e nas operações regionais”, afirma Felipe Bonato, pesquisador do Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS). “Mas o profissional do futuro precisará dominar tanto o volante quanto a tecnologia.”
Um futuro em disputa
O governo federal tenta conter a crise com programas de capacitação e incentivos. O Pró-Motorista Brasil, lançado em 2024 pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pretende formar 50 mil novos condutores por ano, oferecendo subsídio integral para a CNH profissional e parcerias com autoescolas credenciadas.
Apesar dos esforços, o tempo é curto. Se o déficit atual continuar crescendo, a CNT projeta que o país poderá ter 200 mil vagas ociosas até 2027, comprometendo o transporte de cargas essenciais e reduzindo a competitividade nacional.
O transporte rodoviário — que há mais de meio século sustenta a espinha dorsal da economia brasileira — vive agora o seu maior desafio desde a era Vargas: manter as estradas vivas em um país que, cada vez mais, parece perder o rumo da profissão que o moveu até aqui.


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