Criada para reduzir burocracia e estimular o empreendedorismo, a Lei da Liberdade Econômica acabou limitada a temas periféricos, perdeu força nos tribunais e se tornou símbolo da distância entre o discurso da desregulamentação e a prática do Judiciário.
Prometida como um divisor de águas para a desburocratização e o incentivo à iniciativa privada, a Lei da Liberdade Econômica nasceu em 2019, no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, com o objetivo de simplificar a vida de quem empreende no Brasil. Mas, passados mais de cinco anos, a norma acumula resultados tímidos e uma aplicação quase simbólica nos tribunais.
Segundo levantamento do escritório Mattos Filho, a maioria das decisões judiciais que citam a lei se limitam a reproduzir entendimentos que já existiam antes dela. Os princípios centrais como a intervenção mínima do Estado e a liberdade de atuação econômica quase não aparecem na jurisprudência, frustrando expectativas de empresários e juristas que esperavam uma transformação estrutural.
A promessa de desburocratização que não se cumpriu
Durante sua tramitação no Congresso, a medida provisória que deu origem à Lei da Liberdade Econômica ganhou dezenas de “jabutis” temas estranhos ao texto original.
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A versão final, aprovada em 2019, acabou alterando principalmente o Código Civil, com foco em questões privadas como terceirização, autonomia patrimonial e desconsideração da personalidade jurídica.
Essas mudanças, segundo advogados, não alteraram de forma significativa o ambiente de negócios. Na prática, a lei consolidou entendimentos já firmados pela Justiça, sem criar novos parâmetros para reduzir a intervenção do Estado.
“Encontramos a aplicação da lei em temas periféricos. Em relação aos princípios que seriam mais importantes, praticamente não há decisões”, explica Fernando Dantas Neustein, sócio do Mattos Filho.
Os números que revelam o esvaziamento da lei
O estudo identificou 173 decisões sobre desconsideração de personalidade jurídica, 95 sobre intervenção estatal mínima e 45 sobre interpretação contratual conforme a boa-fé.
Já os temas centrais ligados à desburocratização tiveram impacto quase nulo: apenas 28 decisões trataram de atividades de baixo risco, 13 sobre liberdade de horário de funcionamento, e 3 sobre aprovação tácita de atos públicos.
A baixa aplicação prática mostra que a lei ficou restrita ao papel, com pouca repercussão em áreas onde poderia estimular o empreendedorismo e reduzir entraves regulatórios.
Segundo André Luiz Freire, também do Mattos Filho, muitas decisões citam a norma apenas como referência formal, sem alterar o entendimento do caso. “Se a lei não existisse, a decisão seria a mesma”, afirma.
Derrotas no STF e ausência de cultura regulatória
A Lei da Liberdade Econômica também sofreu reveses importantes no Supremo Tribunal Federal.
Em 2020, o STF derrubou uma norma que permitia o uso de agrotóxicos caso os órgãos públicos não concluíssem a análise de liberação em prazo determinado.
O risco ambiental prevaleceu sobre o princípio da liberdade econômica, limitando o alcance da legislação.
Para Freire, esse tipo de decisão mostra como o Judiciário brasileiro ainda privilegia a atuação do Estado em detrimento da autonomia privada.
“As decisões acabaram reduzindo os efeitos pretendidos na época da edição da lei”, explica.
Por que a Lei da Liberdade Econômica não funcionou
Especialistas ouvidos pela Folha de S. Paulo afirmam que o problema está no próprio desenho da lei.
Para Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV Direito SP, a legislação não criou mecanismos de governança nem obrigou o poder público a revisar suas próprias normas.
“Ela virou um conjunto de intenções sem comando efetivo”, avalia.
Sundfeld lembra que avanços como a redução do tempo para abrir empresas desde 2019 se devem a iniciativas locais e outras legislações específicas, e não à lei em si.
“Existe uma frustração com a Lei da Liberdade Econômica, que não conseguiu nada diretamente. Ela não criou um regime de governança que permitisse melhoria permanente da administração pública”, conclui.
O projeto que tenta corrigir as falhas
Para corrigir o vácuo deixado pela norma, está parado desde 2019 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara um projeto de Lei de Governança da Ordenação Pública Econômica, que criaria um sistema de acompanhamento e avaliação constante da regulação estatal.
O texto, porém, nunca foi votado e permanece sem previsão de avanço.
Enquanto isso, o Brasil segue preso a entraves burocráticos e uma cultura de excesso regulatório, em contraste com o discurso liberal que inspirou a criação da Lei da Liberdade Econômica.
Na prática, o que deveria ser uma revolução institucional acabou se tornando um símbolo de frustração jurídica e de promessas não cumpridas.
A Lei da Liberdade Econômica nasceu com a ambição de liberar o empreendedor brasileiro da burocracia, mas acabou se perdendo em interpretações limitadas e decisões que pouco mudaram a realidade.
A falta de aplicação prática e o desinteresse do Judiciário mostram que, entre a intenção de simplificar e a prática de regular, ainda existe um abismo.
E você, acha que a Lei da Liberdade Econômica ainda pode cumprir o papel que prometeu ou o Brasil perdeu a chance de transformar de fato o ambiente de negócios? Deixe sua opinião nos comentários queremos ouvir quem sente os efeitos da burocracia todos os dias.