Entenda como os cortes de energia renovável impactam geradores e geram impasse entre governo e Aneel no Brasil.
Nos últimos anos, o Brasil expandiu rapidamente a geração de energia renovável, especialmente eólica e solar.
Além disso, esse crescimento, impulsionado pela necessidade de diversificar a matriz energética e reduzir impactos ambientais. Trouxe desafios operacionais que agora se refletem em cortes de energia renovável.
Consequentemente, surgiu um cenário de conflito entre o governo e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), causando prejuízos bilionários aos geradores.
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O fenômeno conhecido como curtailment, ou cortes de energia renovável, ocorre quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) reduz a quantidade de energia que as usinas injetam na rede.
Dessa forma, o objetivo oficial é evitar sobrecarga do sistema, especialmente nos horários de pico.
Entretanto, essa prática gera impactos financeiros significativos para os geradores, que muitas vezes não conseguem cumprir os contratos firmados no mercado livre de energia.
Por isso, estimativas indicam que os cortes já causaram prejuízos que podem chegar a R$ 5 bilhões.
Historicamente, o setor elétrico brasileiro passou por transformações importantes.
Durante décadas, a matriz energética se concentrou em hidrelétricas, que garantiam um fornecimento relativamente estável de energia.
No entanto, a expansão das fontes renováveis, particularmente a eólica a partir da década de 2000 e a solar nos últimos dez anos, introduziu uma nova dinâmica de operação.
Diferentemente das hidrelétricas, essas fontes dependem do vento e da radiação solar. Tornando a produção mais variável e, portanto, mais sujeita a ajustes como o curtailment.
Além disso, o crescimento da geração renovável resultou de políticas de incentivo fiscal e linhas de crédito específicas, que tornaram os projetos mais viáveis economicamente.
Por isso, essa política ajudou a consolidar empresas nacionais no setor, fortalecendo a competitividade do país em energia limpa, mas também aumentou a exposição a riscos relacionados aos cortes.
Crescimento da geração distribuída e impacto nos geradores
Além disso, a instalação acelerada de painéis solares em residências e empresas intensificou o problema.
Atualmente, existem cerca de 40 gigawatts de energia solar distribuída no Brasil, que o ONS não consegue gerenciar totalmente.
Portanto, durante o dia, essa geração entra no sistema em grande volume, forçando o desligamento temporário de outras usinas de maior porte, como as eólicas e solares centralizadas, para manter a estabilidade da rede.
Dessa maneira, evidencia-se a complexidade dos cortes de energia renovável e a dificuldade de equilibrar o sistema elétrico com múltiplos atores.
Além disso, o impasse regulatório tornou-se evidente entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Aneel.
Por isso, o governo federal avalia editar uma portaria para ressarcir os geradores afetados, retroativa a 2021, reconhecendo que os prejuízos não decorrem de falhas dos investidores.
Por outro lado, a Aneel defende que o risco de curtailment é inerente ao setor e que os investidores se beneficiaram de subsídios e incentivos ao longo dos anos.
Consequentemente, esse debate revela a tensão entre proteger os investidores e manter a segurança do sistema elétrico nacional.
O aumento das ações judiciais por parte de geradores prejudicados evidencia a urgência do tema.
Muitos alegam que não tiveram culpa pelos cortes e, portanto, devem receber ressarcimento.
Antes do apagão de 2023, os cortes atingiam cerca de 0,8% da energia gerada; entretanto, atualmente, esse número varia entre 20% e 30%.
No primeiro semestre de 2025, os cortes aumentaram quase cinco vezes em relação ao mesmo período de 2024, segundo levantamento da consultoria Volt Robotics.
Portanto, fica claro que os cortes de energia renovável se tornaram um desafio estrutural, não apenas um risco pontual para os investidores.
Estrutura do SIN e responsabilidades dos geradores
Além disso, Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), explica que o problema central reside na estrutura do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Ou seja, o gerador deve entregar energia ao mercado, mas não controla a operação do sistema, responsabilidade do ONS.
Quando o operador impede a entrega de energia, o gerador sofre prejuízos que não recebem compensação automática.
Por isso, evidencia-se a necessidade de um mecanismo regulatório de ressarcimento.
Entre as soluções discutidas, destaca-se a proposta da Consulta Pública 45 da Aneel, que sugere criar um “condomínio de renováveis” para repartir os impactos dos cortes entre todos os agentes, incluindo a micro e minigeração distribuída (MMGD).
Dessa forma, a proposta visa dividir os custos de forma mais equitativa, mas ainda enfrenta resistência de reguladores e investidores que questionam sua implementação.
Outro ponto crítico envolve a falta de transparência nos critérios de corte definidos pelo ONS.
Por exemplo, Donato Filho, CEO da Volt Robotics, aponta que algumas regiões, especialmente no Nordeste, sofrem cortes de até 60% da energia mensal, assustando financiadores e comprometendo novos investimentos.
Além disso, a concentração da geração solar em horários específicos e a operação limitada de usinas termoelétricas e hidrelétricas aumentam a complexidade de gerir o sistema de forma eficiente.
Ao mesmo tempo, a regulamentação de tecnologias como baterias de armazenamento, que poderiam aliviar o problema, ainda está em discussão há anos, o que limita soluções práticas de curto prazo.
Além disso, os cortes afetam o planejamento estratégico das empresas.
Por isso, projetos de expansão podem sofrer atrasos devido à incerteza sobre compensações financeiras e riscos regulatórios.
Além do mais, investidores estrangeiros exigem garantias mais claras para aportes em energia limpa, tornando a definição de regras sobre curtailment uma prioridade para manter a competitividade do setor brasileiro.
Impactos financeiros e estratégicos para o setor
Os cortes de energia renovável não impactam apenas os resultados financeiros imediatos.
Eles também influenciam o planejamento de investimentos no setor.
Portanto, empresas nacionais e internacionais demonstram cautela ao investir em projetos de energia renovável no Brasil, diante da insegurança regulatória.
Por isso, a garantia de ressarcimento se mostra fundamental para manter a confiança no setor e estimular a expansão contínua das fontes limpas de energia.
Portanto, garantir que os geradores recebam compensação pelos cortes de energia renovável se tornou uma questão não apenas econômica, mas estratégica para o futuro da energia limpa no país.
O debate entre governo e regulador deve equilibrar a segurança do sistema elétrico e a proteção dos investimentos.
Medidas como a portaria do MME podem servir como solução intermediária, permitindo que os geradores operem normalmente enquanto se buscam soluções estruturais de longo prazo.
Além disso, a adoção de maior transparência, regulamentação de armazenamento e integração da geração distribuída é essencial para reduzir conflitos e impactos financeiros.
Além disso, a comunicação clara entre ONS, Aneel e geradores pode reduzir litígios e tornar os cortes mais previsíveis.
Ao mesmo tempo, a adoção de tecnologias digitais para monitoramento em tempo real da rede e previsões de geração pode ajudar a mitigar impactos e planejar melhor a operação do sistema.
Portanto, regras claras e justas são cruciais para consolidar um mercado sustentável e atrair novos investimentos, garantindo que o Brasil avance na transição energética de forma segura e eficiente.