Justiça confirma: vizinhos devem dividir custos de muros e cercas que separam terrenos, mesmo sem acordo. Entenda como funciona a lei.
Poucos temas geram tanta tensão no convívio diário entre vizinhos quanto a construção de muros e cercas para delimitar terrenos. À primeira vista, parece uma questão simples: quem quer levantar a estrutura paga por ela. Mas a realidade jurídica é bem diferente. O Código Civil brasileiro estabelece que a demarcação entre imóveis é de interesse comum e, portanto, os custos devem ser divididos entre os proprietários. Essa regra, embora clara na letra da lei, ainda causa estranheza e frequentemente vai parar nos tribunais, quando um dos lados se recusa a arcar com a despesa.
O tema volta e meia chama atenção justamente porque envolve não apenas a interpretação do direito de vizinhança, mas também valores como solidariedade, proporcionalidade e responsabilidade compartilhada. Afinal, o muro não protege apenas um imóvel: ele traz segurança, privacidade e valorização para os dois lados.
O que diz o Código Civil sobre muros e divisórias
O ponto de partida para entender a questão está no artigo 1.297 do Código Civil, que prevê que qualquer proprietário pode exigir do vizinho a demarcação do terreno. Essa demarcação pode ocorrer por meio de marcos, cercas ou muros, e a obrigação de custear a obra é proporcionalmente repartida entre os confinantes.
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Em outras palavras, ninguém pode se eximir alegando que não deseja o muro. O direito não é de um vizinho apenas: é um direito e um dever recíproco. Além disso, a legislação busca evitar abusos. O proprietário que construir sozinho pode cobrar judicialmente a parte do outro, desde que comprove a necessidade da obra e os valores gastos.
Essa previsão legal existe há décadas, mas só recentemente ganhou maior visibilidade, devido à ampliação dos conflitos judiciais envolvendo o tema.
Como funciona a divisão de custos na prática
Na realidade prática, a divisão de custos de muros e cercas funciona da seguinte forma:
- O proprietário interessado comunica ao vizinho a intenção de erguer a estrutura.
- O orçamento é apresentado, de modo que ambos possam avaliar e decidir a melhor forma de executar a obra.
- Caso haja consenso, os custos são divididos e a obra é realizada em comum acordo.
- Se não houver entendimento e mesmo assim a construção for feita, o responsável inicial pode cobrar a metade posteriormente, inclusive na Justiça.
Essa lógica também se aplica à manutenção e reparo. Se um muro que divide dois terrenos apresenta rachaduras, infiltrações ou risco de queda, a responsabilidade de consertá-lo recai igualmente sobre ambos os vizinhos.
Decisões judiciais recentes confirmam o entendimento
O Poder Judiciário tem reiteradamente confirmado que os custos devem ser compartilhados, mesmo quando não há acordo prévio. Em Minas Gerais, por exemplo, um proprietário rural construiu sozinho uma cerca de arame farpado para conter o gado e depois conseguiu na Justiça que o vizinho pagasse metade da obra.
Em São Paulo, um morador de bairro urbano arcou integralmente com a construção de um muro de alvenaria entre dois lotes, mas posteriormente ingressou com ação judicial e obteve sentença favorável determinando o ressarcimento proporcional.
O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou o entendimento de que a obrigação de dividir decorre diretamente da lei, e não depende da vontade expressa dos vizinhos.
Quando a recusa vira briga judicial
Apesar da clareza da norma, muitos vizinhos insistem em se recusar a contribuir, alegando que não desejam a obra ou que não têm condições financeiras. É justamente nessas situações que o tema costuma parar nos tribunais.
Em vários processos, juízes têm determinado que o ressarcimento seja feito em dinheiro, proporcionalmente ao valor comprovado da obra, e até mesmo autorizado a penhora de bens em caso de inadimplência. Em outras palavras, o muro pode até ser levantado por iniciativa de apenas um, mas a conta final, cedo ou tarde, é compartilhada por ambos.
Esse entendimento busca coibir injustiças. Imagine um vizinho que investe sozinho em uma estrutura de segurança, valorizando inclusive o imóvel ao lado, sem que o outro desembolse nada. Seria um desequilíbrio evidente.
Impactos econômicos e sociais da regra
A obrigação de dividir os custos tem impacto direto no valor de mercado dos imóveis. Um terreno com divisas bem delimitadas, cercas firmes e muros bem construídos tende a ter maior liquidez e preço mais elevado. Essa valorização beneficia tanto quem pagou quanto quem tentou se esquivar da despesa.
Além disso, o muro não serve apenas como barreira física: ele delimita direitos, evita conflitos futuros e reduz litígios relacionados a invasão de área, construções irregulares ou disputas sobre metros quadrados.
Do ponto de vista social, a regra também busca promover a convivência equilibrada entre vizinhos. Embora muitos vejam a divisão de custos como uma obrigação incômoda, trata-se de um mecanismo para garantir que todos participem do cuidado com a propriedade.
Casos específicos: muros de arrimo e áreas rurais
Um ponto importante é que a divisão de custos também se aplica a estruturas mais complexas, como muros de arrimo, usados em terrenos com desnível acentuado.
Quando o risco de deslizamento ou desmoronamento envolve duas propriedades, a Justiça entende que ambos os vizinhos são responsáveis por arcar com os custos da obra.
O mesmo vale para áreas rurais. Cercas para conter animais, proteger plantações ou separar lotes agrícolas também entram na lógica do rateio. A jurisprudência reforça que a obrigação não depende do tipo de propriedade: urbana ou rural, o princípio da solidariedade de custos se mantém.
Muro não é favor, é obrigação compartilhada
A mensagem deixada pelos tribunais e pela legislação é clara: muro não é favor de um vizinho ao outro, mas obrigação compartilhada de ambos.
Construí-lo sozinho, sem buscar ressarcimento, pode até ser um gesto de boa vizinhança, mas juridicamente ninguém é obrigado a assumir sozinho um custo que traz benefício mútuo.
Em tempos de imóveis cada vez mais valorizados e conflitos crescentes por espaço urbano e rural, compreender esse direito é fundamental para evitar desgastes. Mais que uma questão de tijolos e cimento, a construção de muros e cercas é um exemplo de como a convivência exige não apenas regras, mas também equilíbrio e bom senso.