Pescadores de Pedra Grande (RN) encontraram uma boia da Petrobras usada para estudos de energia eólica offshore em área tradicional de pesca. Comunidades denunciam falta de consulta prévia e especialistas alertam para violação da Convenção 169 da OIT.
Uma boia de medição identificada com os logotipos da Petrobras, SENAI, ANP e BRAVO foi encontrada por pescadores artesanais na costa de Enxu Queimado, no município de Pedra Grande (RN). O equipamento, parte de um projeto de energia eólica offshore, apareceu em uma área de pesca tradicional sem que houvesse qualquer diálogo ou aviso prévio às comunidades locais.
A presença inesperada da estrutura provocou preocupação e revolta entre os moradores, que afirmam não ter sido informados sobre a natureza do experimento. O caso reacende o debate sobre o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
O que é a Boia Bravo e como ela se conecta ao projeto de energia eólica offshore
A chamada Boia Remota de Avaliação de Ventos Offshore (BRAVO) é um equipamento de alta tecnologia usado para medir ventos, ondas e outros parâmetros oceanográficos essenciais para o desenvolvimento de usinas eólicas no mar.
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O projeto, segundo informações oficiais da Petrobras, foi criado em parceria com o Instituto Senai de Inovação e recebeu investimentos milionários via Aneel, dentro do esforço para impulsionar o avanço da energia eólica offshore no Brasil.
Relatórios públicos da estatal revelam que a campanha de testes da Bravo 2.0 teve início a cerca de 20 km da costa de Areia Branca (RN), com o apoio da Marinha do Brasil e do Terminal Salineiro de Areia Branca. No entanto, a aparição da boia em Pedra Grande, município vizinho, indica uma possível expansão não comunicada da área de testes, agora em pleno território de pesca artesanal.
Para as comunidades, a falta de transparência e de diálogo representa uma ruptura grave no processo de implantação de projetos energéticos em áreas costeiras.
Comunidades denunciam violações e exigem respeito aos direitos territoriais
Lideranças locais e organizações sociais consideram o episódio uma sequência de violações de direitos fundamentais. Segundo elas, a forma como o equipamento foi instalado fere não apenas tratados internacionais, mas também a confiança construída entre instituições públicas e populações tradicionais.
Entre as principais irregularidades apontadas estão:
- Violação da Convenção 169 da OIT: a ausência de consulta prévia fere um direito garantido às comunidades tradicionais sobre qualquer projeto que possa afetar seus territórios e modos de vida.
 - Ignorância ao saber tradicional: pescadores artesanais detêm conhecimento detalhado sobre correntes, ventos e comportamento marítimo, elementos cruciais para estudos ambientais. A exclusão dessas vozes representa uma perda de informação científica valiosa.
 - Falta de transparência: os pescadores alegam não ter sido informados sobre o tempo de permanência da boia, os possíveis impactos ambientais e os riscos à segurança da navegação e da pesca.
 - Licenciamento ambiental desconectado da realidade: ainda que exista autorização do Ibama, líderes comunitários afirmam que ela não considerou adequadamente a presença das comunidades tradicionais na região afetada.
 
Para os moradores de Enxu Queimado, o caso reflete um padrão recorrente: grandes empreendimentos avançam sobre áreas pesqueiras sem considerar os impactos sociais e culturais.
O mar como território de vida: a energia eólica offshore e a transição justa
O Brasil vive um momento de forte expansão dos investimentos em energia eólica offshore, considerada uma das principais apostas da transição energética global. No entanto, especialistas e movimentos sociais alertam que a transição não pode ser apenas tecnológica — precisa ser também socialmente justa.
As comunidades pesqueiras são as primeiras a sentir as mudanças provocadas por novos empreendimentos costeiros. Para elas, o mar é mais do que um espaço de trabalho: é um território de vida, memória e sustento. A presença de equipamentos sem consulta ameaça esse equilíbrio, transformando o processo de modernização energética em uma fonte de tensão social.
“O mar é nosso campo, nossa roça. A gente não foi chamado para conversar, só viu o equipamento aparecer”, relatou um pescador da região. “Ninguém explicou o que é, se pode pescar perto ou se traz algum perigo.”
Especialistas apontam falhas no processo de diálogo e licenciamento
Pesquisadores e advogados ambientais também manifestaram preocupação com o episódio. Para eles, a falta de consulta prévia e diálogo efetivo é um erro que pode comprometer a credibilidade de toda a agenda de energia limpa no país.
Segundo a advogada ambiental Camila Vasconcelos, especialista em direitos socioambientais, “o licenciamento ambiental de projetos offshore deve seguir padrões internacionais de participação social. O Brasil, como signatário da Convenção 169 da OIT, tem obrigação legal de realizar consultas antes de qualquer intervenção em territórios tradicionais.”
Ela acrescenta que o caso de Enxu Queimado revela uma lacuna estrutural na política energética brasileira: “O país avança tecnologicamente, mas ainda não consolidou mecanismos de governança que garantam o protagonismo das comunidades afetadas.”
Pescadores exigem retirada da boia e abertura de diálogo transparente
Diante do ocorrido, as comunidades locais e organizações sociais listaram uma série de exigências dirigidas à Petrobras, ao SENAI e aos órgãos fiscalizadores:
- Esclarecimentos públicos imediatos sobre o escopo do projeto BRAVO e as razões da presença da boia em Enxu Queimado.
 - Retirada temporária do equipamento, até que todos os protocolos de consulta sejam devidamente cumpridos.
 - Início de um processo de Consulta Livre, Prévia e Informada, com linguagem acessível, prazos adequados e respeito às tradições locais.
 - Atuação do Ibama e do Ministério Público Federal (MPF) para investigar as irregularidades e garantir que os direitos das comunidades sejam assegurados.
 
As lideranças reforçam que não são contra a energia eólica offshore, mas sim contra o modelo de decisão unilateral que desconsidera quem habita e trabalha nos territórios impactados.

                        
                                                    
                        
                        
                        
                        

        
        
        
        
        
        
        
        
        
        
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