No Brasil, uma das cidades mais antigas das Américas será conectada por trem moderno a um dos maiores polos logísticos do país — em apenas 35 minutos. O futuro já está nos trilhos
Imagine reduzir pela metade o tempo entre Salvador e Feira de Santana, duas das cidades mais importantes do Nordeste, trocando horas de engarrafamento por 35 minutos em um trem confortável, rápido e sustentável. Parece coisa de país europeu, mas está prestes a virar realidade no Brasil. Um projeto ferroviário ambicioso promete transformar a forma como baianos se deslocam — e mais: pode reposicionar toda a logística e economia da região.
A estrada que virou gargalo
A BR-324, que liga Salvador a Feira de Santana, é uma das rodovias mais movimentadas e perigosas do Nordeste. Por ela passam diariamente mais de 40 mil veículos: carros, ônibus, caminhões de carga, carretas interestaduais. É o típico cenário onde o trânsito se arrasta, os acidentes se acumulam e os custos de transporte só aumentam. E não é pouca coisa: Feira de Santana é o maior entroncamento rodoviário do Norte/Nordeste e abriga mais de 600 mil habitantes. Já Salvador dispensa apresentações, com quase 3 milhões de pessoas só na capital.
Juntas, essas cidades formam um eixo econômico e urbano de mais de 4 milhões de pessoas — e dependem de uma rodovia saturada, velha e ineficiente.
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O projeto que pode virar o jogo
Chamado de Trem Cidades, o projeto prevê a construção de uma ferrovia de 100 quilômetros conectando Salvador a Feira. E não será um trem qualquer: a linha será mista, ou seja, transportará passageiros e cargas em composições modernas, silenciosas e rápidas. A viagem, que hoje pode durar até duas horas nos horários de pico, será feita em 35 minutos.
A rota planejada deve atravessar municípios como Simões Filho, Candeias, Santo Amaro e Amélia Rodrigues, promovendo o crescimento de zonas urbanas ao longo do trajeto. A ferrovia também poderá escoar cargas industriais e agrícolas entre o porto de Salvador e o polo logístico de Feira, diminuindo o custo do transporte e aliviando o tráfego de caminhões nas estradas.
De onde vem a ideia?
O projeto começou a ganhar corpo em 2023, quando a CCR Metrô Bahia demonstrou interesse inicial. Mas o verdadeiro empurrão veio em 2024, com o governo federal assumindo o planejamento por meio do Ministério dos Transportes. O modelo escolhido é o de autorização ferroviária, que dispensa licitação e permite que empresas com capacidade técnica apresentem seus projetos diretamente à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
A empresa TIC Bahia LTDA foi a primeira a apresentar uma proposta oficial. Segundo o Ministério, a ferrovia está alinhada com o programa nacional de ampliação da malha ferroviária e responde a uma demanda crítica de mobilidade no estado.
E em que pé está?
Atualmente, o projeto encontra-se na fase de estudos técnicos e definição de traçado. Os engenheiros analisam variáveis como densidade urbana, custo de desapropriações e impacto ambiental. A linha deve adotar bitola larga, sistemas de sinalização digital e controle central — padrões modernos que aumentam velocidade e segurança.
A construção será dividida em três etapas:
- Estudos técnicos e definição do traçado (fase atual);
- Viabilidade legal e ambiental, com captação de recursos e autorização da ANTT;
- Construção da ferrovia, prevista para começar em até dois anos após a aprovação final.
O modelo de tráfego misto exigirá composições adaptadas, mas com potencial para transportar milhares de pessoas por dia e toneladas de carga por hora.
Impactos reais: mais que transporte
O Trem Cidades promete gerar milhares de empregos diretos e indiretos já na fase de obras. Setores como construção civil, engenharia, serviços e até o mercado imobiliário devem ser aquecidos. Com a valorização dos terrenos em torno das estações, cidades como Simões Filho, Santo Amaro e Candeias poderão se transformar em polos urbanos mais conectados e integrados.
Mas o impacto vai além da economia:
- Social: trabalhadores e estudantes que hoje perdem horas no trânsito terão mais qualidade de vida;
- Ambiental: a redução do tráfego rodoviário implica menos emissão de CO2, menos desgaste das vias e menor consumo de combustíveis fósseis;
- Estratégico: a ferrovia posiciona a Bahia como um modelo nacional de mobilidade integrada e sustentável.
O futuro já está no radar
Ainda em 2025, é esperado que a TIC Bahia finalize os estudos técnicos e receba a autorização definitiva da ANTT. A partir daí, começa o processo de licenciamento ambiental e captação de investidores. E os planos não param por aí: já se discute a possibilidade de expandir a ferrovia até Alagoinhas, Cruz das Almas e até Vitória da Conquista, criando um corredor ferroviário regional.
Esse projeto pode virar modelo para outros estados como Goiás, Pernambuco e Ceará, que também estudam soluções ferroviárias para transporte de passageiros. A volta dos trens no Brasil, antes relegados ao passado, pode estar renascendo com o que há de mais moderno — e a Bahia pode liderar essa retomada.