A indústria de energia renovável brasileira vive sua pior crise: falências, demissões e prejuízos colocam em xeque o protagonismo do país na transição energética global
Nos próximos meses, o Brasil será o centro das atenções do mundo ao sediar a cúpula climática mais importante do planeta. Mas, ironicamente, o país que sempre defendeu as energias limpas está vendo justamente suas principais apostas — a solar e a eólica — entrarem em colapso.
A crise se espalhou rápido. A 2W Ecobank SA, produtora de energia eólica, pediu recuperação judicial em abril. A Rio Alto Energias Renováveis SA, que atua com projetos solares, também buscou proteção judicial para tentar reorganizar suas dívidas. Já a Aeris, maior fabricante de pás eólicas do país, cortou mais de 3.700 empregos enquanto reestrutura sua dívida.
Um problema global com agravantes locais
O que acontece no Brasil não é algo isolado. Falta de infraestrutura de transmissão, juros altos, atrasos em licenças ambientais e cadeia de suprimentos pressionada são desafios comuns a outros países também. No entanto, aqui, os obstáculos ganharam proporções maiores.
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Parte do problema é justamente o sucesso recente. Em 2023, o Brasil foi o terceiro país que mais adicionou capacidade solar e eólica no mundo. Só que a expansão rápida causou um desequilíbrio: durante o dia, a geração é maior do que a rede pode absorver, e o operador nacional passou a cortar a produção.
“Estamos vivendo os piores momentos para a indústria”, afirmou Elbia Gannoum, presidente da Abeeólica. “Nunca havia visto uma crise de tal magnitude e duração”.
Dívidas, demissões e cortes: os impactos reais
A situação financeira é tão delicada que as associações Abeeólica e Absolar estão apelando a bancos e investidores para renegociar dívidas antes que a quebradeira piore.
“Os empréstimos serão pagos, mas é preciso entender que estamos diante de uma situação excepcional”, explicou Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar. “É do interesse dos investidores e dos bancos atravessar essa tempestade junto com o setor”.
Bancos como BTG Pactual, Santander Brasil, BNDES e Banco do Nordeste estão entre os credores. Segundo Luiz Abel, diretor comercial do Banco do Nordeste, houve avanços em negociações:
“Recebemos algumas demandas específicas para negociação devido aos cortes de produção e conseguimos avançar sem estresse, sem inadimplência”.
Mesmo assim, os números preocupam. A taxa básica de juros, agora em 15%, é a maior desde 2006, e mesmo com subsídios em alguns financiamentos, o aperto no crédito é evidente. Entre 2024 e 2025, segundo a Abeeólica, cerca de 11 mil trabalhadores perderam seus empregos por causa da crise.
Transmissão travada e apagões: o gargalo estrutural
O nó logístico da energia renovável no Brasil se concentra no Nordeste, onde estão os parques solares e eólicos. Mas é no Sudeste que está a maior parte do consumo. E a infraestrutura para escoar essa energia ainda está longe de acompanhar a demanda.
Desde a pandemia, os cortes na produção se intensificaram. Em 2023, um apagão nacional — causado em parte pela instabilidade das fontes renováveis — fez com que o operador nacional endurecesse os limites de produção. Em fevereiro de 2025, o colapso de uma linha de transmissão só piorou a situação.
Regras novas, prejuízo maior
Até 2023, os produtores de energia renovável recebiam reembolso integral pelas perdas causadas pelos cortes. Mas uma norma da Aneel mudou tudo: agora, as empresas só podem recuperar no máximo 3% dessas perdas. Já as termelétricas continuam sendo ressarcidas integralmente.
Absolar e Abeeólica processaram a Aneel exigindo o reembolso de R$ 4,8 bilhões (cerca de US$ 873 milhões) em perdas acumuladas. Nenhum representante da agência ou do Ministério de Minas e Energia quis comentar.
Ainda há quem resista — mas são poucos
A Renova Energia, que também passou por recuperação judicial, conseguiu sair do vermelho e anunciou novos investimentos para aumentar sua capacidade instalada. Mas exemplos como esse são exceção, não regra.
“Enquanto não tivermos um grande número de linhas de transmissão para escoar essa energia, continuaremos vendo muitos cortes”, alertou Thaina Cavalini, da Fitch Ratings.
Elbia Gannoum, da Abeeólica, vê outro problema: os pequenos produtores solares que usam subsídios para gerar energia com fins lucrativos — e que não são afetados pelas restrições. “Esse tipo de geração não sofre restrições regulatórias, que só afetam os grandes produtores, e já representa mais de 15% da capacidade total instalada”, criticou.
Soluções adiadas e oportunidades desperdiçadas
O governo tem planos para adquirir baterias de grande escala, que ajudariam a armazenar o excesso de energia. No entanto, os leilões dessas tecnologias foram adiados para o segundo semestre. Além disso, segundo a Absolar, a tributação sobre esses sistemas pode chegar a 85%, o que inviabiliza os investimentos para muitas empresas.
A Fitch colocou três empresas brasileiras de energia renovável sob perspectiva negativa: Serra do Mel Holding, Itarema Geração de Energia e o Complexo Morrinhos, este último controlado pela CGN Brasil, braço da estatal chinesa. Nenhuma das empresas se manifestou.
Outras, como a Equatorial Energia, estão tentando vender seus ativos. Em 2022, a companhia comprou a Echoenergia por R$ 7 bilhões e agora contratou o Banco Safra para tentar vendê-la.
Fábricas fechando e empregos evaporando
O impacto no setor produtivo também é visível. A GE Vernova, sediada em Massachusetts (EUA), anunciou o fechamento da fábrica de pás eólicas da LM Wind Power, em Suape (PE), com a demissão de 1.000 pessoas. A justificativa: a queda da demanda em toda a América Latina.
Rodrigo Sauaia, da Absolar, resumiu o sentimento do setor com uma metáfora clara:
“O paciente está na UTI”, disse. E completou: antes de qualquer recuperação, o setor “precisa parar de respirar com ajuda de aparelhos”.