Em 2025, o STJ confirmou indenização de R$ 4 milhões a ex-esposa que abriu mão da carreira para cuidar da família, reconhecendo desequilíbrio patrimonial.
Desequilíbrio patrimonial: No dia 12 de agosto de 2025, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento do Recurso Especial (REsp) 2.129.308/SP, mantendo uma das decisões mais emblemáticas do direito de família dos últimos anos. O tribunal confirmou que uma mulher terá direito a receber R$ 4 milhões do ex-marido, valor fixado como alimentos compensatórios, após o divórcio. O caso ganhou repercussão nacional porque a ex-esposa havia abandonado a própria carreira por mais de 20 anos para se dedicar exclusivamente ao lar, à criação dos filhos e ao suporte da vida profissional do companheiro.
A disputa começou no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que inicialmente fixou a indenização em R$ 6 milhões. O valor foi reduzido para R$ 4 milhões ao considerar que a mulher usufruiu de benefícios indiretos durante a união, como residência em imóvel de alto padrão sem custos. Inconformado, o ex-marido recorreu ao STJ, pedindo a revisão da quantia.
A 4ª Turma, porém, manteve a decisão paulista. O colegiado reforçou que reexaminar provas é vedado na instância superior, conforme estabelece a Súmula 7 do STJ. Assim, prevaleceu o entendimento de que a quantia milionária era adequada para compensar o desequilíbrio financeiro gerado pela separação.
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O que são alimentos compensatórios
Para compreender a relevância dessa decisão, é preciso diferenciar pensão alimentícia de alimentos compensatórios.
- A pensão alimentícia tradicional garante a subsistência de quem não consegue prover o próprio sustento, como filhos menores ou ex-cônjuges em situação de vulnerabilidade.
- Já os alimentos compensatórios têm outra função: restabelecer o equilíbrio econômico entre os ex-parceiros, quando um deles enriquece ou mantém padrão elevado graças ao trabalho invisível do outro.
Esse instituto, ainda que não esteja expressamente previsto em lei, vem sendo consolidado pela jurisprudência e pela doutrina. Ele é aplicado quando há uma disparidade patrimonial clara, muitas vezes porque um dos cônjuges abriu mão de uma carreira promissora para dar suporte à vida conjugal e familiar.
A base legal da decisão
A fundamentação está no artigo 1.694 do Código Civil, que prevê a obrigação de prestar alimentos a quem deles necessitar, observadas as condições de quem fornece e as necessidades de quem recebe.
No entanto, o STJ ampliou a interpretação desse dispositivo para permitir a fixação de alimentos compensatórios, que não se confundem com a obrigação alimentar clássica.
A lógica é simples: se um cônjuge acumulou patrimônio e sucesso profissional porque o outro assumiu integralmente as tarefas domésticas e familiares, o equilíbrio deve ser restaurado com compensação financeira.
Essa leitura dialoga diretamente com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar e da igualdade entre homens e mulheres.
O peso do trabalho invisível
O caso escancarou um tema ainda pouco debatido no Brasil: o valor econômico do trabalho doméstico. Estudos do IBGE mostram que as mulheres dedicam, em média, 21 horas semanais a afazeres domésticos e cuidados com a família, enquanto os homens gastam 11 horas.
Essa diferença estrutural gera consequências diretas no mercado de trabalho: salários mais baixos, menos tempo para qualificação e menor ascensão profissional. Quando ocorre o divórcio, muitas dessas mulheres ficam em situação de vulnerabilidade.
A decisão do STJ é simbólica porque reconhece que esse trabalho, embora não remunerado, gera riqueza indireta — permitiu que o marido construísse patrimônio e avançasse na carreira.
Precedentes e jurisprudência
Não foi a primeira vez que o STJ tratou do tema, mas o valor envolvido — R$ 4 milhões — tornou o caso emblemático.
A Corte já havia admitido alimentos compensatórios em decisões anteriores, sobretudo quando havia grande disparidade entre os rendimentos dos ex-cônjuges. Mas desta vez, a ênfase foi clara: o esforço invisível de um lado da relação precisa ser reconhecido em dinheiro.
Além disso, o tribunal deixou registrado que a compensação não substitui a partilha de bens. Trata-se de uma medida autônoma, que se soma às demais obrigações decorrentes do fim da união estável ou casamento.
As críticas e os debates
A decisão dividiu opiniões no meio jurídico.
- Defensores afirmam que o julgamento é histórico e corrige distorções de gênero. Para eles, reconhecer o valor do trabalho doméstico é um passo para a igualdade real entre homens e mulheres.
- Críticos, por outro lado, argumentam que a medida pode gerar uma “indústria das indenizações” e estimular litígios bilionários em divórcios. Há quem sustente que o casamento não pode ser tratado como sociedade empresarial, em que cada parte exige retorno financeiro proporcional.
Apesar da polêmica, a decisão reflete uma tendência internacional: países como Espanha, França e Canadá já possuem mecanismos semelhantes para compensar o cônjuge que se dedicou exclusivamente ao lar.
O impacto para o futuro dos divórcios
O julgamento do REsp 2.129.308/SP abre espaço para uma nova onda de ações judiciais no Brasil. Advogados de família acreditam que pedidos de alimentos compensatórios ganharão força, especialmente em uniões de longa duração, nas quais um dos cônjuges sacrificou sua carreira.
Isso significa que, a partir de agora, decisões de vida conjugal podem ter reflexos milionários no futuro. Para quem decide abdicar da vida profissional para se dedicar ao lar, a Justiça sinaliza que esse esforço não será mais ignorado.
O caso julgado pelo STJ em agosto de 2025 ficará marcado como um divisor de águas. Ao confirmar a indenização de R$ 4 milhões, a Corte reconheceu que o amor, o cuidado e a dedicação ao lar podem, sim, ter reflexos patrimoniais no fim de uma relação.
Mais do que uma disputa entre um casal, a decisão traz à tona uma reflexão profunda: até que ponto a sociedade valoriza o trabalho invisível das mulheres? E, no futuro, como os casais irão equilibrar a vida profissional e familiar sabendo que escolhas dentro do casamento podem custar milhões em um divórcio?
O REsp 2.129.308/SP não apenas resolveu um conflito privado, mas abriu caminho para que milhares de brasileiros reflitam sobre o valor do tempo, da dedicação e da justiça dentro das relações familiares.