Relatório técnico da USP revela onde tecnologias de captura e armazenamento de carbono podem transformar a indústria nacional com base científica e ambiental sólida
Um mapeamento inédito liderado pelo RCGI da USP revelou áreas estratégicas do Brasil com capacidade técnica para aplicar tecnologias de descarbonização como CCS e BECCUS.
Por isso, o relatório apresentado em 14 de julho de 2025 ao Ministério de Minas e Energia, durante o evento “Combustível do Futuro: Workshop CCS, CCUS e BECCS”, em Brasília, ganhou relevância nacional.
A pesquisa, conduzida por Karen Mascarenhas e Drielli Peyerl, faz parte do projeto Percepção Social e Diplomacia Científica nas Transições Tecnológicas para uma Sociedade de Baixo Carbono, vinculado ao Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), da Universidade de São Paulo.
Estudo geoespacial revela oportunidades concretas de descarbonização industrial
Com base em dados geoespaciais integrados, o relatório avaliou emissões industriais, infraestrutura de transporte e capacidade geológica de armazenamento.
Assim, foi possível apontar regiões prioritárias para a implementação das tecnologias de captura e estocagem de CO₂.
Desse modo, a metodologia utilizou a plataforma QGIS para sobrepor dados de produção, logística e geologia, resultando em um “atlas técnico” capaz de orientar políticas públicas de forma estruturada.
Segundo Mascarenhas, “a confiança da população local será tão importante quanto a tecnologia na consolidação de uma economia de baixo carbono.”
Cidades estratégicas estão aptas a liderar projetos de captura de carbono
A pesquisa destacou, portanto, municípios com maior viabilidade técnica, logística e ambiental para aplicação das tecnologias:
Serra (ES), com intensa emissão da siderurgia;
São Gonçalo do Amarante (CE), com presença de siderúrgicas e termelétricas;
Manaus (AM), cuja emissão vem de termelétricas a gás;
Uberaba (MG), polo de bioenergia com CO₂ de alta pureza;
Mato Grosso, onde há concentração de etanol, biodiesel e biometano.
Com isso, essas localidades se mostram ideais por reunirem alta emissão de CO₂, logística funcional e infraestrutura já instalada, fatores que reduzem custos e facilitam o desenvolvimento de projetos-piloto.
Litoral brasileiro pode armazenar centenas de megatoneladas de CO₂
Além disso, as maiores reservas de estocagem geológica foram identificadas nas bacias marinhas do Espírito Santo, Ceará e Rio Grande do Norte.
Segundo o relatório, esses locais têm potencial para comportar entre 167 e 372 megatoneladas de carbono, aproveitando estruturas já utilizadas pela indústria do petróleo e gás.
Enquanto isso, outras bacias com capacidade intermediária — entre 32 e 167 megatoneladas — foram localizadas em áreas do Sudeste, Nordeste e na Amazônia.
Por esse motivo, a escolha dos territórios também considerou a proximidade com polos emissores e a existência de infraestrutura logística, como gasodutos e ferrovias.
Aplicação das tecnologias pode avançar metas climáticas, mas requer cuidado
Embora tecnologias como CCS e BECCUS contribuam diretamente para o ODS 13 (Ação Climática), o relatório alertou para desafios associados a outras metas globais.
Por exemplo, o ODS 14 (Vida na Água) pode ser comprometido em casos de vazamentos durante o armazenamento offshore.
Além disso, a demanda hídrica elevada desses processos pressiona o ODS 6 (Água Potável e Saneamento) em regiões com recursos limitados.
Portanto, o documento defende a aplicação cautelosa e personalizada, sempre embasada em avaliações técnicas e ambientais criteriosas.
Obstáculos técnicos, regulatórios e sociais ainda dificultam avanços
Apesar do potencial técnico elevado, a adoção em larga escala no Brasil enfrenta entraves significativos.
Entre eles estão o alto custo das tecnologias, a dificuldade de monitoramento contínuo do carbono estocado e a lentidão na conversão de estudos em projetos-piloto.
Além disso, a ausência de regulamentação clara, a falta de incentivos fiscais e o desconhecimento da população também dificultam a aceitação social.
Segundo Drielli Peyerl, “a aceitação social será tão decisiva quanto os parâmetros geológicos. Precisamos combinar dados técnicos com diálogo e engajamento.”
Recomendações apontam caminhos para viabilizar tecnologias no país
Diante disso, o relatório apresenta recomendações objetivas para que o Brasil avance de forma segura na descarbonização industrial:
Criar normas técnicas específicas que definam responsabilidades sobre o carbono armazenado;
Estimular projetos-piloto nas áreas com maior viabilidade geológica e produtiva;
Implementar sistemas de monitoramento contínuo, com protocolos auditáveis;
Fortalecer estratégias de comunicação e engajamento social, para promover a aceitação.
Desse modo, a proposta é garantir que o avanço tecnológico ocorra com responsabilidade, transparência e participação social efetiva.
Brasil pode liderar a agenda de descarbonização global com base sólida
O estudo, intitulado “Geospatial Assessment of Carbon Capture and Storage (CCS) & Bioenergy with Carbon Capture and Storage (BECCS) Opportunities in Brazil – Volume 1”, reforça o protagonismo do país na agenda climática.
Produzido por Alex Azevedo, Celso Cachola, Mariana Ciotta, Karen Mascarenhas e Drielli Peyerl, o relatório oferece uma metodologia robusta e replicável, com potencial de influenciar políticas públicas e decisões privadas.
Assim, se aplicado corretamente, esse conhecimento poderá transformar indústrias intensivas em emissões em referências globais de inovação sustentável.