Projeto ecológico pioneiro tenta salvar uma espécie quase extinta com a ajuda de larvas microscópicas liberadas em um novo recife artificial
Em uma ação inédita, cientistas belgas liberaram 200 mil larvas de ostras planas europeias sobre o casco de um navio naufragado no Mar do Norte. O objetivo: transformar os destroços em um viveiro natural para restaurar ecossistemas marinhos gravemente degradados. O experimento, considerado pioneiro, pode representar um marco na recuperação de espécies extintas localmente e na criação de recifes artificiais sustentáveis sem intervenção humana contínua.
A operação aconteceu em julho de 2025 no naufrágio do cargueiro Kilmore, submerso a 30 metros de profundidade e localizado a cerca de 32 quilômetros da costa de Ostende, na Bélgica. A embarcação, que afundou em 1906, agora passa a abrigar um projeto de restauração ecológica ambicioso liderado por cientistas, com financiamento do governo belga e da União Europeia.
Projeto Belreefs: tecnologia, ciência e natureza unidas
A iniciativa, batizada de Belreefs, é fruto de mais de dois anos de cooperação entre instituições científicas, autoridades ambientais e empresas do setor offshore. Um dos principais parceiros do projeto é o grupo belga Jan De Nul, especializado em construção marítima e energia renovável. Segundo Vicky Stratigaki, engenheira e coordenadora da ação, a ideia é criar um recife autossuficiente capaz de se expandir naturalmente ao longo do tempo, sem a necessidade de manutenção ou interferência externa.
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“Nosso objetivo é alcançar uma restauração da natureza a longo prazo, sem que seja preciso voltar para intervir”, declarou Stratigaki. As larvas introduzidas pertencem à espécie Ostrea edulis, nativa da Europa e historicamente abundante em áreas como o Mar do Norte — mas praticamente extinta nas últimas décadas.
As autoridades planejam um acompanhamento rigoroso ao longo de vários anos para medir o impacto ambiental, identificar eventuais falhas e adaptar as próximas fases do projeto a outras áreas degradadas da região.
Fonte: Jan De Nul Group
Um navio afundado que agora abriga vida
O Kilmore, além de ser um patrimônio cultural submerso, oferece condições ideais para a experiência. De acordo com Merel Oeyen, conselheira de política ambiental marinha do governo belga, todo naufrágio com mais de 100 anos nas águas do país é automaticamente protegido por lei, tornando-se uma área interditada à pesca.
“Cada naufrágio antigo se transforma em um ponto quente de biodiversidade”, disse Oeyen, que também destacou a importância ecológica dessas estruturas abandonadas no mar. O fundo de cascalho onde o Kilmore repousa já foi há séculos o lar de recifes naturais de ostras, tornando o local ideal para a reintrodução da espécie.
Ostras: pequenas engenheiras da vida marinha
As ostras planas europeias desempenham um papel essencial nos ecossistemas costeiros. Conhecidas como “engenheiras do ecossistema”, elas criam estruturas que abrigam diversas outras espécies marinhas, ajudam a limpar a água filtrando impurezas, fixam nitrogênio e protegem o leito marinho contra erosão.
Além dos benefícios ecológicos diretos, a formação de recifes pode atrair outras formas de vida, estabilizar o ecossistema local e criar um novo ponto de diversidade marinha em uma área severamente impactada por atividades humanas nas últimas décadas.
De abundantes a quase extintas
Antes do século XIX, os recifes de ostras eram comuns nas águas europeias. No entanto, a sobrepesca, a dragagem do fundo marinho e outras formas de exploração industrial devastaram as populações da espécie. O colapso se intensificou a partir de 1979, quando um parasita mortal, Bonamia ostreae, foi introduzido na Europa a partir da Califórnia, provocando a dizimação dos bancos de ostras na França, Bélgica e Países Baixos.
Hoje, as ostras planas europeias são consideradas quase extintas em boa parte do Mar do Norte, o que reforça a urgência de projetos como o Belreefs.
Sobrevivência e legado ecológico
Dos 200 mil exemplares liberados, estima-se que apenas cerca de 30 mil sobrevivam ao primeiro ano. Apesar da taxa de mortalidade esperada, os cientistas estão confiantes de que esse contingente inicial será suficiente para estabelecer um recife funcional, com capacidade de reprodução e expansão própria.
A experiência servirá como base para futuras ações similares, que poderão ser aplicadas em outros naufrágios protegidos ou em áreas degradadas do Mar do Norte e até de outras regiões da Europa. A replicação dependerá do sucesso desse piloto e de sua viabilidade ecológica e econômica.
A ministra da Justiça da Bélgica, Annelies Verlinden, declarou em apoio ao projeto:
“O Mar do Norte é não apenas um motor econômico estratégico, mas também um ecossistema único que devemos proteger. Com iniciativas como o Belreefs, queremos restaurar pelo menos 20% do nosso Mar do Norte até 2030”.
Um modelo europeu de restauração
Segundo a Smithsonian Magazine, o Belreefs representa uma nova etapa na forma como a Europa aborda a recuperação ambiental marinha. Ao integrar ciência, política pública e tecnologia, o projeto pode se tornar um modelo replicável para países que enfrentam desafios semelhantes em suas áreas costeiras.
Além de buscar a restauração de uma espécie simbólica, o programa pretende provar que intervenções simples, como o uso de naufrágios como plataforma ecológica, podem gerar impactos profundos e duradouros para a biodiversidade global.