A China financia projetos de energia limpa no Sudeste Asiático enquanto suas empresas são acusadas de poluir rios e o ar com operações de mineração e processamento, criando um paradoxo entre avanço sustentável e danos ambientais na região.
A China lidera o financiamento de energia limpa no Sudeste Asiático, mas enfrenta denúncias de poluição e degradação ambiental causadas por operações ligadas a níquel e terras raras.
Enquanto capitais chineses erguem parques solares e hidrelétricas, comunidades locais relatam contaminação de rios, piora da qualidade do ar e pressão sobre territórios. O resultado é um equilíbrio instável entre expansão verde e impactos ambientais de alto custo.
O paradoxo do investimento verde chinês
Nos últimos anos, empresas do país ampliaram presença em setores estratégicos e intensivos em recursos nos vizinhos asiáticos.
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Atraem-se por mão de obra mais barata, fiscalização ambiental menos rigorosa e vastas reservas minerais.
Ao mesmo tempo, reguladores chineses endureceram as regras domésticas e a indústria convive com excesso de capacidade, o que empurra parte do parque produtivo para fora de suas fronteiras.
Analistas reconhecem que o impulso financeiro de Pequim acelera a transição energética regional.
Ainda assim, ponderam que os projetos verdes ficam ofuscados pela atuação chinesa em algumas das indústrias mais poluentes.
O quadro se torna mais complexo quando entram em cena conflitos ambientais, riscos sanitários e tensões políticas que extrapolam as linhas de transmissão e os dutos de investimento.
“A realidade é que a maioria dos governos se preocupa mais com o desenvolvimento econômico do que com a sustentabilidade ambiental, exatamente como o governo chinês fez”, avalia Zachary Abuza, da Escola Nacional de Guerra, em Washington.
A observação ajuda a explicar por que decisões oficiais frequentemente priorizam empregos e arrecadação imediata, apesar dos custos ambientais.
Níquel na Indonésia: expansão, protestos e sanções
No setor de processamento de níquel na Indonésia, o avanço foi acompanhado por protestos e greves no fim de 2024 em plantas administradas por empresas chinesas.
Em Jacarta, autoridades anunciaram em julho sanções por violações ambientais no Parque Industrial Morowali, em Celebes, que abriga empreendimentos da metalúrgica chinesa Tsingshan Holding Group.
Relatório da organização C4ADS, divulgado em fevereiro, apontou que mais de três quartos da capacidade de refino de níquel indonésia está nas mãos de companhias chinesas, muitas com vínculos com o Estado em Pequim.
Segundo a entidade, duas empresas — entre elas a Tsingshan — concentram mais de 70% dessa capacidade.
Para o grupo, “a falta de controle interno deixa a Indonésia dependente de investimentos chineses, o que pode limitar a capacidade do governo de responsabilizar a indústria”.
A cientista política Fengshi Wu, da Universidade de Nova Gales do Sul, destaca o papel do “nacionalismo de recursos” na região.
Países como a Indonésia proibiram exportar certos minérios para forçar o processamento interno e capturar maior valor agregado.
“A Indonésia quer ver mais minerais sendo processados dentro do país. Mas com isso vem a poluição, a menos que medidas mais eficazes contra a poluição ambiental sejam adotadas”, afirma.
Mekong sob pressão: terras raras e metais tóxicos
As críticas também se acumulam sobre a cadeia de terras raras.
A expansão da mineração em Mianmar, país em guerra civil, é acusada de contaminar trechos do Rio Mekong, que nasce no Planalto Tibetano e percorre cerca de 4.500 quilômetros até desaguar no Mar da China Meridional, cortando China, Mianmar, Laos, Camboja, Tailândia e Vietnã.
Em junho, a agência de poluição da Tailândia informou ter detectado níveis de arsênio quase cinco vezes acima dos padrões internacionais para água potável em áreas de mineração no norte do país, próximas da fronteira com o estado de Shan, em Mianmar.
Comunidades no Laos e na Tailândia relataram presença elevada de metais tóxicos, intensificando a pressão sobre empresas e autoridades.
O Instituto de Estratégia e Política de Mianmar registrou que o número de minas de terras raras em um dos estados do país quase triplicou desde o golpe militar de 2021, aproximando-se de 370 operações.
Diante das queixas, a embaixada da China em Bangkok declarou que empresas chinesas “cumprem as leis do país anfitrião e realizam seus negócios sempre de forma legal e organizada”.
Para Pianporn Deetes, da ONG International Rivers, o risco tende a se tornar “ainda mais concentrado e persistente” com a planejada hidrelétrica de Pak Beng, no Laos, financiada por capital chinês.
O temor é que o reservatório funcione como armadilha de sedimentos contaminados, acumulando poluentes ao longo do tempo.
Regras mais rígidas, deslocamento industrial e emprego
A pressão regulatória dentro da China e o aperto de crédito para atividades de alto impacto ambiental nos bancos ocidentais contribuíram para deslocar plantas de aço, ferro e reciclagem de papel para economias menores do Sudeste Asiático.
Pesquisadores citados pela revista Nikkei Asia apontam que a guinada começou por volta de 2017, quando siderúrgicas chinesas aceleraram a busca por terrenos, energia e rotas de exportação em países vizinhos.
Evitar tarifas dos Estados Unidos também entra no cálculo de relocalização, segundo os especialistas. Essas unidades, pelo porte, criam empregos e encadeamentos com fornecedores locais.
Contudo, parte dessas vagas é mal remunerada e associada a riscos à saúde, sobretudo quando a fiscalização é insuficiente e os padrões ambientais são frouxos.
A conta social, assim, não se resume à geração de renda, mas inclui gastos públicos com saúde e remediação ambiental.
Nacionalismo de recursos e a barganha dos governos
Ao apostar no processamento doméstico dos minerais, governos buscam reter renda e conhecimento técnico.
O movimento aumenta o poder de barganha com investidores, mas também amplia a exposição a passivos ambientais.
A experiência chinesa, citada por Abuza, serve de espelho: crescimento rápido, ganhos industriais e, em paralelo, problemas severos de poluição até o reforço mais recente das normas internas.
Nesse arranjo, a China chega com capital estatal e expertise em setores de alto custo e alto impacto que muitos financiadores evitam.
Raras são as fontes de financiamento dispostas a assumir cronogramas longos, volatilidade de preços de commodities e controvérsias socioambientais.
Por isso, países que precisam de estradas, infraestrutura energética ou minas operacionais recorrem com frequência a bancos e empresas chinesas.
Capital, know-how e a pergunta que fica
A pesquisadora Juliet Lu, da Universidade da Colúmbia Britânica, chama atenção para outro ponto: a comparação costuma mirar o investidor chinês, mas raramente confronta como empresas não chinesas, no mesmo setor e sob o mesmo marco regulatório, se comportam de modo diferente.
A provocação expõe um dilema: o problema está na origem do capital ou no padrão regulatório aceito pelos países receptores?
No fim, o retrato é contraditório. A China injeta dinheiro e tecnologia capazes de acelerar a transição energética regional, ao mesmo tempo em que sustenta cadeias de alto potencial poluidor.
Governos locais, por sua vez, celebram fábricas e obras que geram receita e empregos, mas frequentemente postergam a conta ambiental.
Entre metas climáticas e metas de exportação, qual será o limite aceitável de impacto para sociedades que dependem desses investimentos?