Medida do governo chinês atinge materiais considerados vitais em tecnologias de ponta e pode gerar impacto direto nas cadeias globais de produção, inclusive na indústria automotiva.
A China intensificou neste mês de junho o controle sobre a exportação de materiais considerados estratégicos, com foco especial nas chamadas terras raras, grupo de elementos cruciais tanto para fins civis quanto militares.
Pra especialistas, a medida tem potencial de desestabilizar cadeias produtivas em escala global, sobretudo nos setores automotivo, de energia renovável e de defesa, já que o país asiático detém cerca de 70% da produção mundial dessas substâncias e cerca de 90% da capacidade de refino.
O anúncio oficial foi feito pelo Ministério do Comércio chinês e reforça normas previamente atualizadas em 2023 e 2024, com foco em segurança nacional.
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As novas diretrizes exigem autorização expressa para a exportação de sete elementos-chave: disprósio, térbio, lutécio, itérbio, samário, gadolínio e escândio.
A decisão atinge países como Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e membros da União Europeia, que dependem fortemente desses insumos para manter a fabricação de produtos tecnológicos e industriais estratégicos.
“A medida visa proteger os interesses fundamentais da China e evitar o uso indevido desses materiais em atividades que coloquem em risco a estabilidade internacional”, declarou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores em Pequim.
Nos bastidores, a decisão foi entendida por analistas ocidentais como resposta às sanções impostas contra a indústria chinesa de semicondutores e inteligência artificial.
Washington, por exemplo, já havia restringido em 2024 a venda de chips de IA à China. Em retaliação, Pequim passou a travar as licenças de exportação de materiais essenciais para a produção de armamentos, veículos elétricos, turbinas eólicas e sistemas eletrônicos de defesa.
Por que são produtos da China estratégicos civis e militares
As terras raras envolvidas na nova regulamentação são insumos indispensáveis para a fabricação de componentes eletrônicos e magnéticos de alto desempenho.
No campo civil, elas estão presentes em smartphones, tablets, discos rígidos, baterias recarregáveis, turbinas eólicas, painéis solares e — principalmente — motores de veículos elétricos.
Já no uso militar, esses elementos são considerados críticos para o desenvolvimento de tecnologias sensíveis, como mísseis guiados, radares, aviões de combate, sensores de proximidade, submarinos nucleares e sistemas de comunicação criptografada.
Segundo o Pentágono, sem acesso constante a esses materiais, há risco de paralisação de parte significativa da capacidade operacional das Forças Armadas norte-americanas.
O disprósio e o térbio, por exemplo, são usados para aumentar a estabilidade térmica de ímãs permanentes de neodímio, presentes em drones militares e sistemas de rastreamento.
O lutécio, por sua vez, é utilizado em detectores de radiação para uso médico e militar. O samário compõe os ímãs dos motores elétricos de alto torque.
Impacto direto da decisão da China nas montadoras de veículos
A resposta mais imediata ao bloqueio chinês veio do setor automotivo. Os ímãs permanentes de neodímio-ferro-boro, reforçados com disprósio e térbio, são fundamentais para os motores de carros elétricos e híbridos.
Eles também estão em sistemas de assistência à direção (ADAS), controles de estabilidade, freios regenerativos, sensores de estacionamento e em sistemas de infoentretenimento.
A Ford confirmou a paralisação temporária de uma linha de montagem em Chicago em razão da dificuldade de reposição de ímãs e sensores importados da Ásia. Na Europa, fábricas de autopeças na Alemanha e na Hungria relataram cortes de produção.
O setor já vinha enfrentando dificuldades com o fornecimento de semicondutores, e agora lida com uma nova ameaça à continuidade da produção em larga escala.
Com estoques de componentes magnéticos limitados, a perspectiva é de gargalos logísticos, aumento de custos e adiamento no lançamento de novos modelos — especialmente os veículos 100% elétricos planejados para o segundo semestre de 2025.
“É uma situação de pânico total. Os fornecedores estão segurando os materiais ou cobrando cifras surreais. As montadoras estão desesperadas”, disse um executivo da indústria de ímãs baseado na Holanda.
Licenças travadas e manobras diplomáticas
Dados obtidos pela agência Reuters indicam que apenas 25% dos pedidos de exportação submetidos à China entre 1º e 14 de junho foram autorizados.
A maioria desses licenciamentos foi liberada apenas para materiais com aplicação civil e de baixo risco geoestratégico. Já os insumos considerados de “duplo uso” — com potencial militar — seguem retidos.
Na semana do dia 10 de junho, durante uma rodada de negociações comerciais em Londres, delegações dos Estados Unidos e da União Europeia pressionaram a China a liberar as licenças. Autoridades chinesas sinalizaram disposição para acelerar autorizações pontuais, mas não firmaram compromisso quanto aos materiais mais sensíveis.
Enquanto isso, Washington mantém vigentes suas próprias restrições à exportação de tecnologia de ponta para empresas chinesas.
Em paralelo, o Departamento de Defesa dos EUA iniciou estudos para reativar minas de terras raras no Texas e na Califórnia, além de firmar convênios com produtores na Austrália.
Cadeia de suprimentos em xeque e corrida por alternativas
A crise atual expõe o ponto fraco de várias cadeias industriais modernas. Dos smartphones às turbinas eólicas, dos satélites aos veículos elétricos, quase todos dependem de pelo menos um elemento de terras raras processado na China.
Empresas de tecnologia estão redobrando investimentos em reciclagem de materiais e no desenvolvimento de tecnologias que dispensem terras raras. No Japão, a Honda trabalha em motores de veículos elétricos sem ímãs permanentes desde 2022, mas ainda não conseguiu escalar a produção para atender à demanda global.
A Comissão Europeia anunciou em Bruxelas, no dia 12 de junho, um pacote emergencial de incentivos fiscais para projetos de mineração sustentável dentro do bloco, incluindo explorações na Escandinávia e na Península Ibérica.
No Brasil, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e a estatal Amazônia Mineração divulgaram planos para expandir a extração de nióbio e terras raras no Centro-Oeste e na Amazônia Legal, reforçando o papel do país no cenário geopolítico de minerais críticos.
Especialistas apontam, no entanto, que o refinamento desses elementos continua sendo o maior gargalo fora da China.
Sem infraestrutura e capacidade técnica equivalentes, a maioria das nações exporta o minério bruto e importa o produto final de Pequim.
Diante da escalada de tensões e da crescente competição por materiais estratégicos, as indústrias civis e militares conseguirão criar alternativas rápidas ou continuarão vulneráveis às decisões da China?