Pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências encontraram uma solução criativa para dois desafios urgentes: a destinação das pás de turbinas eólicas aposentadas e o avanço da desertificação em regiões áridas do país. As lâminas gigantes, que chegariam ao fim da vida útil a partir de 2025, estão sendo transformadas em barreiras de areia muito mais resistentes do que materiais convencionais, capazes de suportar radiação intensa, calor extremo e a constante abrasão do deserto.
Pesquisadores chineses desenvolveram uma solução engenhosa para dois problemas que crescem em paralelo: o descarte de pás de turbinas eólicas aposentadas e a expansão da desertificação no oeste do país.
A proposta transforma resíduos da indústria de energia limpa em barreiras resistentes contra a propagação da areia em regiões áridas.
Reciclagem de pás em barreiras de areia
O projeto é conduzido pela Estação de Pesquisa de Ecologia e Meio Ambiente do Deserto de Gobi, ligada ao Instituto Noroeste de Ecoambiente e Recursos, da Academia Chinesa de Ciências. A ideia surgiu justamente da coincidência geográfica: muitos parques eólicos estão localizados nas bordas de desertos, onde o impacto da areia é constante.
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Com turbinas instaladas no início dos anos 2000 se aproximando do fim de sua vida útil, estimada entre 20 e 25 anos, a equipe enxergou uma oportunidade.
Em vez de tratar as pás como lixo industrial, decidiu reutilizá-las como barreiras porosas, cortadas e perfuradas para controlar o fluxo dos ventos e reduzir o transporte da areia.
Segundo o líder do projeto, Liu Benli, a solução nasceu de um estudo de longo prazo sobre evolução da areia e aplicação de materiais de controle.
Ele destacou ainda que a proposta se conecta à necessidade da própria indústria de energia em lidar com grandes volumes de resíduos.
Mais fortes e duráveis que alternativas tradicionais
Os testes realizados mostraram que as barreiras feitas com pás recicladas são até 14 vezes mais resistentes que as de compósito de madeira. Além disso, suportam radiação ultravioleta, altas temperaturas e abrasão causada pelo contato constante com a areia.
Diferente de barreiras convencionais de palha ou junco, que se deterioram com rapidez, o material composto das turbinas pode resistir por longos períodos a condições extremas. Isso garante maior estabilidade para comunidades que lutam contra os danos recorrentes das tempestades de areia.
Liu explicou que experimentos em túneis de vento e simulações de computador confirmaram a eficácia da estrutura. Os estudos indicam que o material consegue alterar padrões de fluxo, reduzindo a quantidade de areia transportada pela superfície.
Dunhuang como exemplo prático
Um dos casos mais críticos é a cidade de Dunhuang, em Gansu. Situada na orla do Deserto de Kumtag, a região convive com tempestades de areia que ameaçam seus frágeis oásis e até patrimônios culturais, como as Grutas de Mogao.
Como os oásis cobrem apenas 4,5% do território municipal, a defesa contra a desertificação se tornou vital.
Nesse cenário, materiais convencionais não atendiam mais às necessidades. A chegada das pás aposentadas coincidiu com a demanda por alternativas.
Uma empresa local de energia limpa entrou em contato com os pesquisadores para oferecer lâminas usadas. A equipe processou as peças, transformando-as em barreiras adaptáveis ao ambiente severo.
Impacto no planejamento energético da China
O projeto também dialoga com o calendário energético do país. Até o fim do 14º Plano Quinquenal (2021-2025), estima-se que 1,2 milhão de quilowatts em turbinas eólicas terão ultrapassado 20 anos de uso. No ciclo seguinte, entre 2026 e 2030, o número pode subir para 10 milhões de quilowatts por ano.
Com isso, a previsão é de uma grande onda de desativação de turbinas. A tecnologia proposta abre a possibilidade de reciclar localmente esse volume de pás, reduzindo o desperdício e criando um ciclo sustentável de reaproveitamento.
Segundo o pesquisador He Chenchen, a meta é alcançar reciclagem no próprio local de descarte. Ele destacou que a solução pode ser expandida para diferentes áreas desérticas, adaptando o desenho das barreiras conforme cada região.
Uma segunda vida para a energia limpa
Além de inovar no controle ambiental, a iniciativa mostra que a infraestrutura de energia renovável pode ser integrada a outras frentes de preservação. O uso de pás aposentadas cria um elo direto entre produção de energia e proteção de territórios frágeis.
A equipe pretende continuar os estudos de campo, ampliando a aplicação em novos desertos e testando melhorias. A pesquisa, publicada no periódico International Soil and Water Conservation Research, já se apresenta como um modelo para outros países que enfrentam desafios semelhantes.
No fim, o que parecia um resíduo problemático se transformou em defesa contra a desertificação e, ao mesmo tempo, em exemplo de economia circular aplicada à energia limpa.
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