Com tarifas de até 62,4% sobre carne suína europeia, Pequim pressiona exportadores, favorece Rússia e amplia impacto do embate dos carros elétricos
A decisão de Pequim de impor tarifas provisórias de até 62,4% sobre carne suína da União Europeia acendeu um alerta no setor. O anúncio, feito pelo Ministério do Comércio no início de setembro, atinge um dos principais mercados dos produtores europeus: a China.
O impacto é imediato porque o país asiático absorve quase um terço das exportações da UE. Somente no primeiro trimestre de 2025, o bloco enviou 1,1 milhão de toneladas de carne suína para fora da Europa.
Desse total, quase 27% tiveram como destino a China, o equivalente a 296,5 mil toneladas.
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Espanha no centro da questão
Entre os países mais expostos está a Espanha, responsável por 35% das exportações de carne suína da UE no mesmo período. A Interporc, organização que representa a indústria espanhola, afirma que o setor local sofrerá menos.
Isso porque, mesmo com a tarifa máxima chegando a 62,4% para alguns, empresas espanholas enfrentarão percentuais próximos de 20%.
Grandes frigoríficos como El Pozo, Noel, Campofrío e Cárnicas Cinco Villas estão na lista dos que pagarão cerca de 20%. A espanhola Litera Meat, com sede em Huesca, terá a taxa mais baixa registrada até agora: 15,6%.
Países sob pressão diferenciada
A política tarifária não atinge todos da mesma forma. A holandesa Vion, por exemplo, foi enquadrada em 32,7%, enquanto a dinamarquesa Danish Crown terá de lidar com 31,3%.
Já companhias que se recusarem a colaborar com as autoridades chinesas enfrentarão os 62,4% anunciados.
Essa diferença ocorre porque Pequim definiu exceções baseadas na cooperação durante a investigação antidumping.
Portanto, quem se dispôs a fornecer informações e participar do processo saiu menos prejudicado.
Ligação com a indústria automotiva
O setor de carne suína virou alvo por causa de outro embate: os carros elétricos. Quando a União Europeia decidiu aumentar impostos sobre veículos “made in China”, Pequim respondeu mirando um segmento estratégico para a Europa.
Em junho, o governo chinês estendeu até dezembro de 2025 as investigações antidumping iniciadas em 2024.
Até lá, optou por tarifas temporárias. Segundo o Ministério do Comércio, a análise preliminar revelou práticas de dumping que causaram “prejuízo significativo” às empresas locais.
A importância do mercado chinês
A China é, ao mesmo tempo, grande produtora e consumidora de carne suína. Apesar de reduções nas compras em 2024, o país seguiu como o principal destino da carne europeia, com 1,12 milhão de toneladas adquiridas.
O histórico mostra a força desse comércio. Em 2020, quando a peste suína africana afetou a produção interna, as importações dispararam para 3,34 milhões de toneladas.
No caso espanhol, a relevância é ainda maior. Em 2024, o país exportou 540 mil toneladas para a China, equivalentes a mais de 1,097 bilhão de euros. Isso representou 20% do volume total e 12,5% do valor das vendas externas.
Quem pode sair ganhando? A Rússia
Se a Europa vê riscos, a Rússia observa oportunidades. Em 2008, Moscou perdeu acesso ao mercado chinês por causa da peste suína africana. Foram 15 anos de restrições sanitárias.
Essa barreira caiu em março de 2024, quando o primeiro lote russo de 27 toneladas conseguiu entrar na China. Embora modesto, foi um passo histórico.
Avanço russo recente
Em julho, as exportações russas para o mercado chinês chegaram a US$ 12,4 milhões, um salto de 22% em relação a junho.
O Kremlin acredita que esse é apenas o início. Autoridades esperam ampliar a lista de empresas russas autorizadas a vender para o gigante asiático.
A ministra do setor, Oksana Lut, afirmou que as conversas com a Alfândega da China estão “em tom construtivo”. Essa postura reforça a expectativa de uma abertura mais ampla.
Rússia quer disputar espaço
O setor suinícola russo não esconde a ambição. Para Yuri Kovalyov, representante da indústria, as tensões entre Bruxelas e Pequim representam uma chance única de mostrar competitividade.
A projeção é ousada. Dmitri Reva, especialista do mercado russo, declarou em artigo da The China Academy que a Rússia pode substituir a Europa em poucos anos.
Ele defende que, em até três anos, o país poderia fornecer mais de um milhão de toneladas anuais.
Consequências para a UE
A União Europeia, por sua vez, enfrenta um dilema. Dependente da demanda chinesa, terá de lidar com margens mais apertadas e perda de competitividade.
Mesmo com tarifas menores para alguns, o peso econômico é inegável.
A medida pressiona principalmente países com maior presença na Ásia, como a Espanha, que construiu sua posição ao longo da última década.
Portanto, qualquer redução de espaço nesse mercado pode gerar impactos significativos na cadeia produtiva e nos preços internos.
Um jogo de retaliações
A disputa entre carros elétricos e carne suína mostra como política e comércio estão ligados.
A China respondeu às medidas da União Europeia atingindo um ponto sensível, e a Rússia se apresenta como alternativa.
O futuro dependerá do desfecho das investigações antidumping e das tarifas definitivas que Pequim anunciará após dezembro.
Até lá, produtores europeus seguem em alerta, enquanto Moscou avança com otimismo sobre a chance de conquistar um espaço que antes parecia inalcançável.
Com informações de Xataka.