Proposta de candidato boliviano de legalizar carros “chutos” roubados do Chile gera crise diplomática e reacende debate sobre contrabando e fronteiras na América do Sul.
Nas ruas bolivianas, principalmente em áreas rurais e cidades de fronteira, é comum ver veículos conhecidos como “chutos” — carros contrabandeados, sem registro oficial e, em muitos casos, roubados do Chile. Esses veículos entram pela fronteira, atravessam rotas clandestinas e acabam abastecendo famílias que não têm condições de comprar carros legalizados.
O fenômeno se consolidou ao longo de décadas e já se transformou em problema crônico para o Estado boliviano, que convive com milhares de veículos ilegais circulando livremente. O Chile, por sua vez, denuncia há anos que parte da frota roubada em seu território termina em estradas bolivianas, prejudicando a segurança e a cooperação bilateral.
A proposta polêmica de Rodrigo Paz
Em plena corrida eleitoral de 2025, o candidato Rodrigo Paz, da Democracia Cristã, causou uma crise ao defender publicamente a legalização dos “chutos”.
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Sua fala foi direta: “Na Bolívia, parece até pecado não ter um chuto, quando todo mundo tem um.” Segundo ele, milhares de famílias dependem desses carros para se locomover e trabalhar, e fechar os olhos para essa realidade seria hipócrita.
A proposta prevê um processo de regularização em massa, transformando veículos contrabandeados ou roubados em carros legalizados, mediante registro e eventual taxa de legalização.
Reação imediata do Chile
As declarações de Rodrigo Paz foram recebidas com indignação no Chile. O ministro do Interior, Álvaro Elizalde, classificou a proposta como um “incentivo ao crime organizado” e advertiu que a medida, se levada adiante, violaria princípios básicos de cooperação internacional.
Além disso, parlamentares chilenos da região de Antofagasta, fronteira direta com a Bolívia, ameaçaram rever acordos de trânsito e até o regime de vistos caso a ideia se transforme em política oficial.
Para Santiago, a legalização equivaleria a legitimar roubos cometidos em seu território, enfraquecendo a luta conjunta contra redes criminosas que atuam na fronteira.
O impacto interno na Bolívia
Dentro da Bolívia, a proposta divide opiniões:
- Apoio popular em áreas pobres: muitos veem na regularização uma oportunidade de manter seus carros sem medo de apreensão, garantindo mobilidade barata.
- Críticas de juristas e opositores: analistas políticos afirmam que legalizar veículos roubados seria um desrespeito ao Estado de Direito e criaria precedente perigoso, incentivando ainda mais o contrabando.
- Preocupação com corrupção: críticos temem que o processo de legalização em massa seja marcado por propinas, falsificação de documentos e favorecimentos políticos.
Prejuízos diplomáticos e econômicos
Se a proposta avançar, os efeitos podem ir muito além das estradas bolivianas:
- Risco comercial: o Chile poderia impor restrições à Bolívia, prejudicando exportações e acordos regionais.
- Crise de confiança: a cooperação policial e aduaneira entre os dois países seria fragilizada.
- Imagem internacional: a Bolívia poderia ser vista como país que legitima o crime transnacional, prejudicando negociações com outros vizinhos.
Um problema estrutural
O dilema dos “chutos” expõe a fragilidade das fronteiras sul-americanas. Estima-se que dezenas de milhares de carros ilegais circulem na Bolívia, muitos com origem comprovada no Chile.
O combate ao contrabando é complexo: envolve má fiscalização, corrupção e pobreza — já que os “chutos” são, para muitos, a única forma de ter um veículo.
Essa realidade cria um paradoxo: a proposta de Rodrigo Paz pode soar absurda no campo diplomático, mas é vista por parte da população como uma solução prática para um problema cotidiano.
Eleição e populismo
Especialistas em política sul-americana afirmam que a declaração de Rodrigo Paz deve ser interpretada como um gesto populista para ganhar apoio em regiões rurais, onde o uso dos “chutos” é massivo.
Ao propor a legalização, ele se apresenta como defensor do povo contra a burocracia do Estado — mesmo que isso custe caro no plano internacional. Essa estratégia já gerou efeito: seu nome ganhou destaque na imprensa, mas também trouxe questionamentos sobre sua responsabilidade e preparo para liderar o país.
Entre o voto e a lei internacional
O episódio escancara um dilema que não é apenas da Bolívia, mas de toda a região: como equilibrar as pressões internas com as obrigações externas?
- Atender o eleitorado pobre pode significar afrontar tratados internacionais.
- Ignorar a realidade dos “chutos” pode custar votos e gerar revolta interna.
- Regularizar carros roubados, no entanto, pode custar a confiança diplomática e abrir uma ferida ainda mais profunda nas relações com o Chile.
Legalizar o ilegal: uma bomba-relógio na fronteira sul-americana
A proposta de Rodrigo Paz expôs a Bolívia a uma pressão sem precedentes em plena campanha eleitoral. O Chile já sinalizou retaliações, e organismos internacionais observam com preocupação a movimentação.
Mais do que uma promessa de campanha, trata-se de uma decisão que pode alterar o equilíbrio geopolítico da região: ou a Bolívia encara o contrabando como crime a ser combatido, ou institucionaliza uma prática que mina a confiança entre países vizinhos.
No fim, a questão vai além da legalização de carros: é sobre até onde um país pode ir ao legalizar o ilegal em nome do voto popular.