Brasil prepara negociação com os EUA que envolve tarifas de 50%, investimentos bilionários e setores estratégicos como aviação, minerais críticos e tecnologia, em meio ao esforço do governo Lula para reduzir barreiras comerciais e ampliar exceções.
O governo brasileiro prepara uma pauta de negociação que inclui Embraer, terras raras e data centers para a reunião que Luiz Inácio Lula da Silva pretende realizar com Donald Trump, com o objetivo de aliviar as tarifas de 50% aplicadas a uma parcela relevante das exportações do país.
A estratégia combina pedido de novas exceções tarifárias a produtos do agro e da indústria e a apresentação de investimentos brasileiros em solo norte-americano que podem somar até US$ 1 bilhão, sobretudo no setor aeronáutico.
A abertura para o diálogo foi reforçada após um encontro breve e cordial entre os dois líderes à margem da Assembleia-Geral da ONU, quando concordaram em avançar em tratativas técnicas.
-
Cidade pequena, bolso cheio: Gavião Peixoto supera a capital e se torna a nova campeã salarial de São Paulo
-
Bancos privados devem cortar laços com Moraes; se governo forçar, Banco do Brasil pode manter e sofrer “penalidades individuais” dos EUA
-
TCU expõe ferrovia fantasma: 56% da malha com menos de dois trens por dia, décadas de rodoviarismo e investimento pífio encarecem fretes e atrasam o Brasil
-
Brics, com China, Rússia e outros, investe em hospital público inteligente no Brasil com IA, 5G e UTIs conectadas: resposta a emergências será até 8 vezes mais rápida
Tarifa de 50% em foco e busca por exceções
Desde o fim de julho, a administração Trump elevou a cobrança para 50% sobre “muitos” itens brasileiros, decisão que acendeu alerta em cadeias como café e carne bovina.
Parte das vendas ficou protegida por listas de exceção já publicadas, mas produtos de alto peso para a balança comercial seguem fora desse alívio.
Estimativas oficiais indicam que cerca de um terço das exportações do Brasil aos EUA foi diretamente afetado, e Brasília tenta ampliar o perímetro das isenções.
O desenho tarifário dos EUA hoje combina um piso de 10% global e sobretaxas setoriais ou por país, o que explica a convivência entre itens liberados e outros ainda sob a alíquota cheia.
A calibragem vem passando por revisões e acordos específicos com diferentes parceiros, o que estimula a diplomacia econômica brasileira a perseguir uma solução negociada.
O que vai à mesa: Embraer, KC-390, minerais e tecnologia
Na frente industrial, a Embraer confirmou investimento de US$ 500 milhões em unidades nos EUA, principalmente na Flórida, como parte de uma estratégia para mitigar o efeito das tarifas sobre o setor aéreo.
A empresa também colocou em discussão um segundo aporte, de magnitude semelhante, vinculado à instalação de uma linha do KC-390 em território norte-americano, proposta ainda em avaliação por Washington.
Se o pacote completo avançar, o montante poderia alcançar US$ 1 bilhão.
A pauta de minerais críticos e terras raras aparece como carta de barganha adicional.
O Brasil vem tentando atrair capital e tecnologia para ampliar a exploração e o processamento domésticos, movimento que, na visão de Brasília, pode ser articulado com as necessidades de segurança de suprimento dos EUA.
Estudos recentes mostram aumento do interesse em cobre, lítio e elementos de terras raras, reforçando o potencial de cooperação em cadeias estratégicas.
No ambiente digital, data centers entram na conversa como eixo de integração produtiva.
Propostas brasileiras para destravar investimentos e dar previsibilidade regulatória a instalações de alta demanda energética ganharam tração nos últimos meses, e interlocutores do setor privado defendem que parcerias transfronteiriças sejam usadas como moeda de troca nas tratativas com Washington.
Agro e indústria: quem sente mais
Cafés, carnes e calçados são mencionados por entidades empresariais como prioridades imediatas para a ampliação de exceções, dada a relevância das vendas ao mercado norte-americano.
Em especial, café e carne bovina se mantêm entre os itens mais pressionados, com representantes da cadeia alertando para perda de competitividade e pedindo exclusões explícitas das listas tarifárias.
A avaliação predominante é que, mesmo com a manutenção do diálogo político, a reversão integral das sobretaxas não é garantida no curto prazo.
Do lado industrial, fabricantes de máquinas e componentes avaliam impactos assimétricos.
Alguns itens ficaram protegidos por exceções, enquanto outros seguem expostos às alíquotas elevadas.
O governo brasileiro trabalha com a hipótese de avançar por blocos, priorizando produtos com alta elasticidade-preço e maior risco de desvio de comércio.
Tom político e limites da agenda
Em declarações recentes, Lula afirmou que tratará Trump “com o respeito devido ao presidente dos Estados Unidos” e cobrou tratamento recíproco, ressaltando que soberania e democracia são inegociáveis.
O presidente brasileiro tem indicado que questões internas, como o processo e a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, não entrarão na pauta comercial.
O Palácio do Planalto busca circunscrever a negociação a tarifas, investimentos e cadeias produtivas, reduzindo o atrito político.
Nos bastidores, diplomatas destacam que a Casa Branca vem conduzindo uma política tarifária mais ampla, com investigações setoriais sucessivas e ajustes por país.
Esse ambiente torna a mesa EUA-Brasil parte de um tabuleiro maior, que inclui acordos pontuais com outros parceiros e revisões frequentes das alíquotas.
O Brasil tenta evitar que sua pauta fique “congelada” enquanto Washington fecha entendimentos com terceiros.
Próximos passos das tratativas
A instrução para a equipe econômica é chegar a Washington com uma lista enxuta e tecnicamente defensável de produtos a desonerar, combinada a projetos de investimento que gerem emprego nos EUA.
O plano inclui interlocução direta com empresas brasileiras com presença naquele mercado e com importadores norte-americanos dispostos a sustentar, com dados, a conveniência de novas exceções.
No centro da proposta estão Embraer, minerais críticos, data centers e energia renovável, além de itens do agro com forte elasticidade de demanda.
Ainda que empresários vejam a reabertura do canal político como um passo necessário para destravar o comércio bilateral, a avaliação é de “otimismo cauteloso”.
A experiência de outros países mostra que reduções parciais podem ocorrer por ondas, enquanto setores não contemplados no primeiro momento seguem sob tarifa elevada e pressionados por custos.
Nesse cenário, a eficácia da estratégia brasileira dependerá da capacidade de vincular alívio tarifário a investimentos concretos no território norte-americano.
Se a reunião avançar e as concessões iniciais se materializarem, qual deve ser a prioridade do Brasil: proteger café e carne já no curto prazo ou amarrar primeiro acordos de tecnologia e minerais com impacto de longo alcance?