Brasil concentra uma das maiores reservas de terras raras do mundo e esteve perto de firmar parceria estratégica com os Estados Unidos, mas tarifas impostas pelo governo Trump mudaram os rumos das negociações e abriram espaço para novos caminhos.
O Brasil abriga 21 milhões de toneladas de terras raras — uma das maiores reservas do mundo — e vinha negociando com os Estados Unidos apoio técnico e investimento para acelerar mineração, processamento e fabricação de ímãs.
Porém, a tarifa de 50% imposta por Washington a produtos brasileiros alterou o tabuleiro. De acordo com informações publicadas pelo Estadão nesta quinta-feira (21), as tratativas que poderiam reduzir a dependência ocidental da China, líder global na cadeia de ímãs e processamento, arrefeceram segundo autoridades de ambos os lados.
Reservas de terras raras e domínio da China
Sob camadas de argila e rocha, estão depósitos que concentram 17 elementos indispensáveis para setores de defesa e transição energética.
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Ímãs de neodímio-praseodímio, com adição de térbio e disprósio, equipam desde turbinas eólicas e carros elétricos até drones e mísseis.
O USGS estima que o Brasil detenha algo próximo de um quinto das reservas globais.
Ao mesmo tempo, Pequim domina o processamento e grande parte da manufatura de ímãs, ponto sensível para os EUA.
Washington vinha impulsionando, desde 2022, uma estratégia para diversificar suprimentos por meio de iniciativas como a parceria internacional de minerais.
Em outubro de 2024, o projeto Serra Verde, em Minaçu (GO), recebeu US$ 150 milhões de fundos com capital americano e britânico, sob o guarda-chuva dessa agenda.
Em paralelo, o Departamento de Defesa dos EUA anunciou, em julho de 2025, um investimento que o posiciona como acionista relevante da MP Materials, com foco em ampliar a produção e a integração de ímãs em território americano.
Negociações entre Brasil e Estados Unidos
Ao longo de 2022 a 2024, representantes do governo americano visitaram o Brasil para discutir cooperação em minerais críticos.
O objetivo brasileiro era claro: assistência técnica, financiamento e compradores para uma futura indústria doméstica de separação química e ímanes permanentes.
Pesquisadores que participaram de encontros no Departamento de Estado relataram ao Estadão que autoridades americanas pediram prazos e capacidades do primeiro laboratório nacional voltado a transformar terras raras em ímãs, sondando inclusive fornecimento futuro ao Pentágono.
Do lado diplomático, havia clima favorável. “Com o Brasil, estávamos empurrando uma porta aberta”, disse José Fernandez, então alto funcionário do Departamento de Estado, sobre a receptividade brasileira.
O encarregado de negócios dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, reuniu-se com lideranças do setor mineral para discutir uma missão empresarial aos Estados Unidos e eventuais acordos no segmento de minerais estratégicos.
Tarifa de 50% freia o diálogo bilateral
O cenário mudou com a decisão de Washington de aplicar 50% de tarifa a importações brasileiras, a partir de agosto.
Embora o decreto tenha incluído centenas de exceções — preservando, por exemplo, aeronaves, celulose, petróleo e parte de metais — a disputa contaminou as demais frentes do diálogo.
O governo brasileiro contestou formalmente as medidas e buscou consultas na OMC e o debate sobre minerais críticos passou, então, a aparecer como moeda nas discussões comerciais.
Em meio à escalada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu ao interesse externo nos depósitos nacionais.
“Aqui ninguém põe a mão”, afirmou em julho, ao defender que o Brasil conduza, sob suas próprias regras, a exploração e a agregação de valor dos seus recursos.
Na avaliação do Planalto, qualquer parceria deve respeitar soberania, metas ambientais e conteúdo local.
Primeiros passos do Brasil na produção
Na prática, o país ainda está no início da rota industrial. O Serra Verde iniciou produção comercial em 2024, em escala limitada, e ainda envia concentrado para processamento na Ásia, etapa essencial antes de virar ímã.
“Ainda há muito a ser explorado e estudado”, disse Inácio Melo, diretor-presidente do Serviço Geológico do Brasil, ao destacar a necessidade de ampliar mapeamento, tecnologia de separação e projetos industriais.
Para reduzir gargalos, avança uma parceria público-privada que reúne universidades, centros de pesquisa e empresas nacionais e estrangeiras.
O programa MagBras busca consolidar, no país, a curva de aprendizado de separação, metalização e fabricação de ímãs, aproximando mineradoras de potenciais clientes industriais.
Paralelamente, grupos internacionais veem janela de oportunidade.
“Estabelecer uma cadeia de suprimentos fora da China é muito importante”, disse John Prineas, executivo da St. George Mining, que desenvolve projeto de terras raras em Araxá (MG). Segundo ele, o Brasil pode ter papel relevante nesse esforço.
Ganhos possíveis de uma aliança
Se a cooperação Brasil–EUA prosperasse, a avaliação compartilhada por diplomatas e técnicos é que ambos os países colheriam resultados.
Para Brasília, a assistência americana ajudaria a acelerar licenças, engenharia de processo, financiamento e acesso a compradores estratégicos, elevando a posição do país de exportador de concentrado para produtor de ímanes.
Para Washington, garantir insumos para turbinas, veículos e sistemas de defesa poderia diminuir a vulnerabilidade a choques de oferta na Ásia, onde a China concentra o processamento e boa parte da manufatura.
Ainda assim, os interesses não são simétricos. Do ponto de vista brasileiro, a prioridade é internalizar etapas de maior valor agregado — separação, metalização e montagem de ímãs — evitando a armadilha de exportar apenas minério.
Do lado americano, a urgência recai sobre garantir segurança de suprimento no curto prazo, mesmo que parte do processamento permaneça fora do Brasil até a maturação das plantas locais.
Impasse e perspectivas futuras
Com as tarifas em vigor e as conversas travadas, Brasília moveu-se para diversificar parceiros.
Além de manter o diálogo com a Índia e países europeus, o governo intensificou estudos com empresas de mapeamento geológico, enquanto a iniciativa privada acelera pilotos industriais.
Há, contudo, sinais de que a pauta mineral pode retornar à mesa de negociação comercial com os EUA diante da pressão de setores exportadores nos dois países.
Executivos e analistas ponderam que o avanço dependerá de clareza regulatória, estabilidade de regras e integração entre minas, plantas de separação e fábricas de ímanes.
Preços deprimidos, financiamento seletivo e a complexidade técnica do refino seguem como freios.
No Brasil, também pesam metas socioambientais e a necessidade de construir capacidade industrial sem abrir mão do controle sobre recursos estratégicos.
Enquanto isso, a geopolítica segue ditando o ritmo. Se a disputa tarifária se acomodar e projetos industriais derem sinais de maturidade, a ponte Brasil–EUA poderá ser retomada sob novos termos.
Caso contrário, o país tende a buscar rotas alternativas para transformar seu potencial geológico em influência tecnológica e industrial.
Em um mundo disputando metais para a energia limpa e a defesa, qual modelo de parceria o Brasil deve priorizar para sair do papel e capturar valor em casa?