Mesmo com a perda de US$ 375,5 milhões nas vendas aos Estados Unidos, o Brasil conseguiu redirecionar exportações e ampliar lucros. Café e carne bovina lideraram o movimento, com alta expressiva nos embarques para México, Europa, Japão e China.
Nos últimos meses, o Brasil ajustou sua estratégia de exportação para contornar os efeitos da política tarifária dos Estados Unidos. Com o redirecionamento de embarques em agosto e setembro, o país conseguiu compensar a perda de receita provocada pelo tarifaço imposto pelo governo de Donald Trump sobre os principais produtos brasileiros vendidos ao mercado norte-americano.
O movimento estratégico manteve a balança comercial aquecida e evidenciou uma reconfiguração nas relações comerciais internacionais, embora tenha levantado preocupações quanto à concentração de vendas em alguns mercados, especialmente na China.
Redirecionamento garante compensação nas perdas
Entre os 20 produtos mais exportados aos Estados Unidos e atingidos pelas tarifas, nove registraram queda nas vendas ao mercado americano, enquanto cresceram em outros países ou apresentaram redução menor na comparação com os mesmos meses de 2024.
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Apesar de perder US$ 375,5 milhões em receita com essas exportações para os EUA, o Brasil obteve um ganho adicional de US$ 1,25 bilhão com embarques para outros destinos no mesmo período.
O sucesso da compensação ocorreu principalmente graças ao aumento das exportações de café não torrado e carne bovina desossada e congelada, cujas receitas também foram impulsionadas pela valorização dos preços internacionais.
Café e carne puxam expansão em novos mercados
Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) indicam que o café brasileiro foi redirecionado para países europeus, como Alemanha e Holanda, além do Japão.
A carne bovina, por sua vez, encontrou espaço ampliado na China e nas Filipinas.
O México também se destacou como destino alternativo. As exportações de carne bovina congelada para o país quase quadruplicaram, com alta de 292,6%, enquanto as vendas de café cresceram 90%, em comparação com agosto e setembro de 2024.
Especialistas apontam que parte dessas operações pode estar relacionada à utilização do México como porta de entrada para o mercado americano.
Diversificação dos destinos e impacto nas receitas
Segundo estudo conduzido pela economista Lia Valls, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisadora da FGV Ibre, em conjunto com o jornal Valor, os 20 produtos analisados representam 29,3% de tudo o que o Brasil vendeu aos Estados Unidos nos dois meses analisados.
A análise mostra que os impactos do tarifaço foram variados. Em seis produtos, as exportações para os EUA cresceram, embora a taxas inferiores às registradas em outros mercados. Em cinco itens, houve aumento nas vendas aos americanos enquanto os embarques para o restante do mundo caíram ou cresceram menos.
Como resultado, a participação dos Estados Unidos nas exportações brasileiras desses 20 produtos caiu de 28% para 21,4%. No total das exportações brasileiras, a fatia americana recuou de 11,6% para 9%.
Queda maior em itens industriais
Nem todos os setores conseguiram compensar integralmente as perdas. Os semimanufaturados de ferro ou aço — o principal item exportado para os EUA entre os afetados — registraram queda de 19,4% nos embarques, equivalente a US$ 86,7 milhões em receitas a menos.
A elevação de 36% nas exportações desses produtos para outros países resultou em apenas US$ 31,5 milhões adicionais, insuficiente para cobrir a perda total.
Situação semelhante ocorreu com preparações alimentícias, conservas de bovinos e transformadores elétricos, cujas receitas no mercado global não compensaram totalmente a queda no mercado americano.
Agronegócio lidera reação brasileira
O agronegócio brasileiro foi o setor mais bem-sucedido na reconfiguração dos mercados. A carne bovina congelada teve queda de 58% nas exportações aos EUA, com perda de US$ 90,9 milhões, mas o aumento de 70% nas vendas para outros países garantiu um acréscimo de US$ 1,16 bilhão.
No caso do café não torrado, as exportações aos Estados Unidos recuaram 11,3%, com perda de US$ 27,52 milhões, enquanto os embarques para outros mercados cresceram 9,1%, com alta de US$ 155,3 milhões.
Segundo Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), a menor dependência desses produtos do mercado americano e a alta dos preços facilitaram a compensação. Isso permitiu que os exportadores negociassem preços vantajosos mesmo com a mudança no destino final das mercadorias.
Crescimento expressivo das vendas para a China
A mudança mais significativa ocorreu nas exportações de carne bovina congelada. A participação dos EUA nesse mercado caiu de 8,6% para 2,3%, enquanto a fatia da China saltou de 58,8% para 67,2%. As vendas para o país asiático cresceram 81,8% no período.
O México também apresentou expansão expressiva, com aumento de 292,7%, embora a partir de uma base menor.
José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), ressalta que os exportadores estão aproveitando o momento para diversificar os mercados. Ao mesmo tempo, a China amplia sua presença nas importações globais, absorvendo a crescente produção brasileira de carnes e outros produtos.
Riscos da dependência chinesa e desafios futuros
Apesar do bom desempenho, a concentração das exportações para a China preocupa especialistas. Cagnin alerta que a crescente dependência do mercado chinês aumenta a vulnerabilidade da economia brasileira a eventuais mudanças na política comercial ou na demanda daquele país.
Além disso, há produtos que apresentaram queda nas exportações tanto para os Estados Unidos quanto para o restante do mundo, como partes para motores a diesel, certos tipos de madeira compensada e açúcares de cana e beterraba.
Esses casos evidenciam a necessidade de diversificar ainda mais os destinos, explorando oportunidades na União Europeia e na América do Sul.
Itens com crescimento surpreendente nos EUA
Mesmo com as tarifas, alguns produtos registraram aumento expressivo nas exportações para os Estados Unidos. Os pneus de borracha utilizados em ônibus e caminhões tiveram alta de 417,3%, enquanto carregadoras e tratores, como bulldozers e angledozers, cresceram 66,2% e 707%, respectivamente.
Valls aponta que parte desse aumento pode estar ligada à presença de empresas brasileiras em cadeias globais de produção e ao comércio intracompanhia.
Além disso, brechas na classificação de códigos tarifários ou isenções específicas podem ter favorecido a entrada de determinados produtos no mercado americano.
Brasil redefine estratégia comercial em cenário de incerteza
A análise geral revela que o tarifaço de Trump provocou uma reconfiguração relevante no comércio exterior brasileiro. O país demonstrou capacidade de adaptação ao redirecionar produtos para outros mercados e compensar perdas com os Estados Unidos, especialmente no agronegócio.
No entanto, o cenário também traz desafios estratégicos. A crescente concentração das exportações na China expõe vulnerabilidades que podem comprometer a estabilidade futura das receitas externas. Para os especialistas, o episódio reforça a necessidade de diversificação de mercados e a busca por parcerias mais confiáveis no cenário global.
Como resume Cagnin, a principal transformação resultante da política tarifária americana é que “os Estados Unidos deixaram de ser um parceiro confiável” — um sinal de que a diplomacia comercial brasileira precisará se ajustar a uma nova realidade global.