Brasil articula com países do BRICS um cabo submarino intercontinental, criação de uma nuvem própria de inteligência artificial e aquisição de supercomputador bilionário, em movimento para reduzir dependência tecnológica e fortalecer a soberania digital.
O Brasil articula, no âmbito dos BRICS, um pacote de iniciativas para reduzir a dependência tecnológica de provedores e infraestruturas sob influência dos Estados Unidos.
Em entrevista ao Deu Tilt, do UOL, o embaixador Eugênio Vargas Garcia, diretor do Departamento de Ciência, Tecnologia, Inovação e Propriedade Intelectual do Itamaraty, descreveu a estratégia: construção de um cabo submarino intercontinental, criação de uma nuvem de IA do bloco (BRICS Cloud) e ampliação da capacidade de supercomputação, com a compra de um equipamento de R$ 1,8 bilhão.
Cabo submarino e BRICS Cloud
Entre os projetos em estudo, está um cabo submarino que conectaria o Brasil à África, ao Oriente Médio, à Índia, ao Sul da Ásia e à China.
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A proposta ainda está em fase de análise de viabilidade, e o governo busca parceiros interessados no financiamento.
Segundo o Itamaraty, a rota alternativa teria impacto direto no tráfego internacional de dados e reduziria a concentração em rotas controladas por grandes potências.
Outra iniciativa é o BRICS Cloud, que pretende integrar os supercomputadores já instalados em cada país do grupo.
A meta é compartilhar recursos para inteligência artificial e computação de alto desempenho, preservando autonomia digital.
“Há vários supercomputadores em diversos países do BRICS. Por que não podemos ter a nossa própria nuvem?”, disse Garcia.
Inteligência artificial como prioridade
A inteligência artificial foi tema da última declaração conjunta do bloco.
No documento, os países reforçaram o multilateralismo, o protagonismo da ONU na governança internacional e a defesa da soberania digital, entendida como a autonomia de cada Estado para decidir como regular tecnologias emergentes.
“Estabelecer uma regulação é um direito de cada país. Se vai regular e como, cada nação deve decidir por si mesma”, afirmou o embaixador.
De acordo com o Itamaraty, esse alinhamento busca fortalecer a posição dos BRICS em debates multilaterais e facilitar cooperação técnica em áreas estratégicas, como pesquisa acadêmica e desenvolvimento de softwares de código aberto.
Brasil entre China e Estados Unidos
Questionado sobre a disputa tecnológica entre China e Estados Unidos, Garcia afirmou que o Brasil não deve se alinhar de forma automática a nenhuma potência.
O embaixador defendeu investimentos internos em ciência e tecnologia, além de acordos internacionais que envolvam transferência de conhecimento.
Como exemplo, citou a parceria com a Suécia para a produção dos caças Gripen, que incluiu cláusulas de acesso a tecnologias militares.
“O Brasil não tem que escolher um lado ou outro, tem que escolher o lado do Brasil. […] O que eu quero fazer agora é desenvolver o meu próprio país, alcançar o desenvolvimento científico e tecnológico”, declarou.
Uso militar da IA
O avanço da IA em operações militares é acompanhado com atenção pelo Itamaraty. Segundo Garcia, a tendência é global, mas exige a definição de parâmetros de uso.
Ele defendeu que decisões críticas permaneçam sob controle humano.
“Não devemos delegar decisões de vida ou morte às máquinas”, disse, citando tanto o ambiente militar quanto aplicações civis, como hospitais.
Para ele, a discussão não é se a tecnologia será usada, mas como será controlada:
“O gênio saiu da lâmpada. A IA já está sendo usada por forças armadas no mundo inteiro, sobretudo pelas potências militares. Não dá para voltar atrás”.
Dependência de semicondutores
A vulnerabilidade do Brasil em chips foi outro ponto destacado.
Segundo o embaixador, a produção nacional cobre apenas cerca de 10% da demanda interna, obrigando o país a importar semicondutores em larga escala.
Ele explicou que controles de exportação aplicados por grandes fabricantes afetam o abastecimento global e que o cenário reforça a necessidade de desenvolver alternativas locais.
Enquanto a indústria de semicondutores não ganha escala, o governo concentra esforços em supercomputação.
Atualmente, o Santos Dumont, instalado no Laboratório Nacional de Computação Científica, opera com capacidade de 20 petaflops.
Garcia acrescentou que está em andamento o processo de compra de um novo supercomputador de nível internacional, com previsão de investimento de R$ 1,8 bilhão.
Cinco prioridades brasileiras
Na formulação de políticas públicas, o Brasil apresenta cinco eixos principais: soberania digital, multilateralismo, acesso aberto a tecnologias, diversidade linguística e padrões éticos robustos.
“Soberania digital é o direito à autodeterminação de cada país de poder desenvolver, regular e controlar o seu próprio destino digital”, disse Garcia.
A estratégia busca garantir que as ferramentas de IA também contemplem idiomas do Sul Global e que sistemas de código aberto possam ser utilizados em pesquisas e serviços públicos.
Próximos passos
Segundo o Itamaraty, a execução dessas iniciativas depende de parcerias público-privadas e da coordenação entre diferentes ministérios.
No caso do cabo, será necessário apoio de bancos de desenvolvimento e operadores de telecomunicações.
Já o BRICS Cloud exige negociações sobre arquitetura técnica, segurança de dados e mecanismos de governança. “Temos muitos desafios, claro. Mas é preciso encará-los de peito aberto”, afirmou Garcia.
O debate agora é qual dessas frentes — cabo submarino, BRICS Cloud ou supercomputação — deve avançar primeiro para acelerar a autonomia tecnológica do país.