O avanço do yuan e o retorno do ouro às reservas brasileiras refletem a mudança no cenário monetário global, com bancos centrais buscando alternativas ao dólar diante de tensões fiscais e geopolíticas crescentes.
O Brasil reduziu em 12 pontos a fatia do dólar em suas reservas internacionais nos últimos sete anos e ampliou a exposição a ouro e yuan.
Em dezembro de 2024, o dólar respondia por 78,45% do total, contra 89,93% em 2018, enquanto o ouro saltou de 0,75% para 3,55% e o yuan alcançou 5,31%, superando o euro (5,23%), segundo o Relatório de Gestão das Reservas do Banco Central.
A primeira compra de ativos em renminbi ocorreu em 2019, quando a moeda chinesa passou a representar 1,10% da carteira.
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Diversificação das reservas e riscos fiscais dos EUA
A guinada brasileira acompanha a reconfiguração do ambiente internacional.
Com dívida bruta dos EUA girando em cerca de 125% do PIB e déficits persistentes, autoridades e gestores discutem riscos de repressão financeira no longo prazo — cenário em que juros reais tendem a ficar contidos para aliviar o peso da dívida.
Nesse pano de fundo, a renda fixa americana tem alternado ralis e quedas bruscas.
Para Danillo Uliana, analista da WeSearch, “a renda fixa americana atravessa um bear market incomum: o ETF TLT caiu em torno de 50% desde o pico de 2020 e segue volátil em 2025”.
A referência é coerente com o desempenho do iShares 20+ Year Treasury Bond, ainda negociado bem abaixo dos níveis de 2020.
Ouro em alta e o efeito das sanções internacionais
A crescente militarização do dólar — com sanções e congelamento de reservas de países sob disputa geopolítica — também pesa nas decisões.
O bloqueio de ativos russos, estimado em torno de US$ 300 bilhões no Ocidente, acendeu o alerta em economias que buscam reduzir vulnerabilidades a medidas unilaterais.
Nesse contexto, o ouro ganhou protagonismo.
Em 2024, o Banco Central Europeu registrou que o metal passou a responder por 20% do total das reservas oficiais no mundo, superando a participação do euro (16%) e ficando atrás apenas do dólar, com cerca de 46%.
A demanda oficial permanece firme em 2025.
No 1º trimestre, bancos centrais compraram 244 toneladas líquidas; a Polônia liderou as aquisições no período, e a China seguiu comprando de forma recorrente.
Impulsionado por esse movimento e por um dólar mais fraco, o ouro vem renovando recordes em 2025, com alta acumulada de mais de 40% no ano e cotações superando US$ 3.800/oz em setembro.
Em paralelo, o DXY caiu mais de 10% no primeiro semestre, na pior metade inicial desde 1973.
Desdolarização global avança, mas hegemonia do dólar resiste
A diversificação é global, mas não implica ruptura imediata.
Uliana avalia que “a participação global do dólar ainda segue firme, apesar da erosão discreta (‘stealth erosion’)”, que dilui espaço em favor de moedas regionais e emergentes.
Os dados do IMF/COFER mostram que, considerando apenas reservas em moedas, o dólar segue em torno de 56%–58% em 2024–2025; o euro fica na casa de 20%–21% e o yuan permanece pouco acima de 2%.
Quando se inclui ouro a preços de mercado, a fotografia muda: o metal ganha peso relativo e a fração do dólar no total de ativos de reserva fica menor, o que ajuda a explicar a busca por carteiras mais balanceadas por parte de diversos bancos centrais.
Yuan ganha espaço, mas enfrenta barreiras estruturais
O BRICS ampliado discute arranjos de liquidação em moedas locais e até uma moeda comum para comércio e investimento.
Na prática, contudo, o uso do yuan em pagamentos internacionais mensurados pela SWIFT oscilou em 2%–3% em meados de 2025 — um avanço, mas distante dos grandes pares.
Em junho, a participação atingiu 2,88%, com a moeda na 6ª posição.
Ainda assim, a infraestrutura chinesa segue crescendo: o CIPS, sistema de pagamentos transfronteiriços em renminbi, ampliou volumes em 2024 e segue em expansão, sinalizando uma agenda de médio prazo para reduzir a dependência de redes tradicionais.
Mesmo com essas iniciativas, a hegemonia operacional do dólar permanece.
Em abril de 2025, a moeda americana esteve em 89% de todas as operações no mercado de câmbio, segundo a BIS, reforçando o papel do dólar como meio de troca global.
Criptoativos e o papel do Bitcoin nas reservas
Os criptoativos seguem fora do radar da maioria dos bancos centrais como ativos de reserva.
No Brasil, BC e Ministério da Fazenda manifestaram-se contrários à inclusão de Bitcoin nas reservas devido à volatilidade e a riscos de gestão, apesar do debate legislativo sobre uma “reserva estratégica” no Congresso.
Nos Estados Unidos, o governo Trump aprovou a GENIUS Act, que cria um arcabouço federal para stablecoins com lastro de 100% em dólares ou Títulos do Tesouro de curto prazo, com divulgação mensal das reservas.
A Casa Branca sustenta que a medida reforça a demanda por Treasuries e, por consequência, a centralidade do dólar.
Além disso, uma ordem executiva estabeleceu uma reserva estratégica de Bitcoin com ativos já apreendidos, sem torná-lo, porém, um ativo de reserva cambial tradicional.
Para Uliana, o avanço de stablecoins tende a ter efeitos distintos: nas economias desenvolvidas, prevalece o foco em inovação financeira; em emergentes, ganham tração como instrumentos de acesso à liquidez e proteção cambial, podendo “remodelar fluxos locais e, ao mesmo tempo, reforçar a centralidade do dólar digital”.
Impactos e próximos passos para o Brasil
No curto prazo, a estratégia brasileira de ampliar ouro e yuan ao lado de uma base ainda majoritariamente em dólar sinaliza prudência combinada a diversificação tática.
O peso do dólar segue dominante na carteira, mas a experiência recente — sanções, choques de juros e volatilidade de Treasuries — sustenta a ideia de estoques mais resilientes a riscos de crédito, mercado e geopolítica.
Enquanto isso, a discussão sobre um sistema monetário mais fragmentado e multipolar se intensifica, com ouro retomando lugar de destaque global, yuan avançando por vias próprias e stablecoins emergindo como peça do quebra-cabeça.
Qual será o próximo passo do Banco Central brasileiro na composição de reservas para equilibrar segurança, liquidez e retorno?