Em meio à alta de impostos e gastos crescentes, o Brasil enfrenta déficit histórico e dívida pública em expansão, mesmo com arrecadação recorde e promessas de novos programas sociais que ampliam a pressão sobre o orçamento federal.
O Brasil fechou 2024 com déficit nominal de R$ 998 bilhões e dívida bruta em 76,1% do PIB, apesar da adoção de ao menos 27 medidas de aumento de impostos desde o início de 2023, no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No período, a carga tributária subiu para 32,3% do PIB em 2024, mas as despesas avançaram em ritmo superior, pressionando as contas públicas.
Impostos sobem, gastos crescem mais rápido
Desde 2023, o governo promoveu alterações que elevaram tributos em diferentes frentes.
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Entraram nesse conjunto o aumento de alíquotas de importação, a cobrança adicional sobre o setor de petróleo, a elevação de PIS/Cofins e do IOF, além da revisão de benefícios fiscais e do novo critério de desempate no Carf, que ampliou a capacidade de cobrança da União.
O número de 27 aumentos reúne mudanças de maior impacto e vigência efetiva, desconsiderando medidas derrubadas posteriormente ou ajustes isolados.
O reforço arrecadatório, no entanto, não compensou a dinâmica de gastos.
A arrecadação federal de 2024 atingiu patamar recorde — o dado oficial da Receita Federal aponta R$ 2,652 trilhões no ano —, mas a despesa total cresceu mais, levando o resultado nominal do setor público consolidado ao maior valor da série histórica iniciada em 2002.
Em termos de endividamento, a DBGG avançou e encerrou 2024 em 76,1% do PIB, alta acumulada desde o início do governo.
MP do IOF cai e frustra tentativa extra de arrecadar
A última ofensiva para ampliar a receita foi a Medida Provisória 1.303, apresentada como alternativa ao aumento direto do IOF.
O texto previa mudanças tributárias sobre fintechs, empresas de apostas e alguns fundos de investimento, com estimativa de ampliar o espaço fiscal entre 2025 e 2026.
Em 8 de outubro, a Câmara dos Deputados retirou a MP de pauta por meio de requerimento aprovado por 251 votos, o que levou à perda de validade do texto.
O desfecho representou revés para o Planalto e para o Ministério da Fazenda.
Carga tributária em alta, pressão nas contas
A elevação de tributos desde 2023 se refletiu na carga tributária bruta, que passou de 31,2% do PIB em 2022 para 32,3% em 2024, último dado disponível.
A participação do governo central no total também cresceu, alcançando 21,4% do PIB.
Embora a economia tenha reagido em alguns setores e a arrecadação tenha avançado em termos reais, o quadro fiscal seguiu pressionado pelo aumento das despesas obrigatórias e por novas políticas públicas.
O déficit nominal consolidado — que considera o resultado primário mais os juros da dívida — terminou 2024 em R$ 998 bilhões.
Houve melhora no recorte de 12 meses ao longo do segundo semestre daquele ano, mas não o suficiente para reverter o saldo negativo acumulado.
Onde o governo diz usar a maior arrecadação
O Planalto afirma que as medidas de aumento de impostos ajudam a financiar programas sociais e a dar previsibilidade ao arcabouço fiscal.
Entre as iniciativas citadas estão o Bolsa Família, o Pé-de-Meia (voltado a estudantes do ensino médio) e o Gás do Povo, que substitui o Auxílio Gás com promessa de ampliá-lo para 15,5 milhões de famílias até 2026.
De acordo com o governo, a soma dos benefícios poderá alcançar até 50 milhões de pessoas inscritas no Cadastro Único quando a cobertura estiver plena.
No caso específico do Gás do Povo, o desenho prevê gratuidade do botijão de 13 kg e a transição ao longo de 2025, com consolidação em 2026.
A regulamentação define critérios de elegibilidade e estabelece quantidade máxima de recargas por família ao ano.
As estimativas oficiais apontam a distribuição de dezenas de milhões de botijões em 2026, dentro do orçamento previsto para o programa.
Isenção do IR até R$ 5 mil avança no Congresso
Em paralelo às medidas de aumento de receita, o governo impulsionou a chamada reforma da renda, que altera a tributação de pessoas físicas.
Em 1º de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade o projeto que zera o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês, com 493 votos favoráveis.
O texto também prevê descontos regressivos entre R$ 5.000,01 e R$ 7.350, mantendo a alíquota efetiva reduzida nessa faixa, e cria um patamar mínimo de 10% para devedores de alta renda com baixa alíquota efetiva.
A proposta ainda depende de análise do Senado e está prevista para entrar em vigor a partir de 2026, caso seja confirmada.
Segundo a equipe econômica, a ampliação da isenção será compensada por medidas de tributação sobre rendas mais altas e por ajustes na base de cálculo de regimes que hoje reduzem a carga efetiva.
A Fazenda argumenta que, somada à tributação de fundos exclusivos e de rendimentos no exterior, a mudança melhora a progressividade do sistema, ao mesmo tempo em que sustenta metas fiscais por meio de outras fontes de receita.
Perspectiva fiscal e desafios
A combinação de carga tributária em alta e déficit nominal elevado mantém o ajuste como prioridade.
O governo insiste que a recomposição de receitas é necessária para financiar políticas sociais e estabilizar a dívida, enquanto interlocutores do mercado cobram controle de gastos e previsibilidade para reduzir o custo de financiamento.
Após a queda da MP 1.303, novas frentes de arrecadação voltaram ao debate, como regras para créditos tributários e ajustes em setores específicos; qualquer avanço, contudo, dependerá de apoio no Congresso.
A disputa em torno do espaço fiscal seguirá condicionada ao desempenho da economia, ao comportamento dos juros e ao cronograma legislativo de 2025 e 2026.
Com o ciclo eleitoral se aproximando, a pressão por entregas sociais e por equilíbrio das contas tende a intensificar a negociação entre Executivo e Legislativo.
Qual deve ser a prioridade do país: reduzir o déficit com corte de despesas ou insistir em novas fontes de arrecadação?