Gaia, a cadela nascida no Brasil e atualmente vivendo em Londres, é uma das únicas 41 no mundo capazes de reconhecer nomes de objetos, segundo pesquisadores da Universidade Eötvös Loránd, da Hungria
Gaia, uma border collie de seis anos, conquistou a atenção da comunidade científica internacional por um talento que desafia os limites do entendimento animal. A cadela, que nasceu no Brasil e vive com seus tutores Isabella Ruiz e Raphael Ballet em Londres, é capaz de reconhecer mais de 200 palavras — um feito que a colocou entre um grupo seleto de apenas 41 cães no mundo identificados com essa habilidade, segundo pesquisadores da Universidade Eötvös Loránd, em Budapeste, na Hungria.
Logo na entrada do apartamento do casal, chama atenção uma cesta lotada de brinquedos. São 215 itens, todos conhecidos por nome pela cachorra. Mas o mais impressionante é sua capacidade de selecionar o brinquedo certo apenas pelo nome, mesmo quando o objeto está em outro cômodo, sem qualquer gesto ou dica visual dos humanos.
Segundo os cientistas, Gaia integra o grupo apelidado de “cães gênios”, formado por animais com um talento cognitivo excepcional: a habilidade de aprender nomes de objetos, algo que até pouco tempo era considerado exclusivo dos seres humanos.
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Um talento raro: o teste que mudou tudo
Conforme reportagem publicada pela BBC News Brasil, a história de Gaia começou ainda em São Paulo. Isabella e Raphael buscavam uma forma de canalizar a energia da filhote, conhecida pela inteligência acima da média da raça border collie. Eles contrataram uma adestradora, Carolina Jardim, que logo percebeu algo fora do comum: antes de completar um ano de idade, Gaia já reconhecia três brinquedos diferentes pelo nome.
Mesmo para uma raça famosa por sua inteligência e facilidade de aprendizado, o desempenho de Gaia surpreendeu. Anos depois, em 2020, Carolina soube de um estudo internacional que procurava cães capazes de associar palavras a objetos. Imediatamente, ela lembrou da cachorra brasileira e sugeriu aos tutores que entrassem em contato com os pesquisadores da Universidade Eötvös Loránd.
O casal aceitou o desafio e realizou um teste caseiro rigoroso, com 20 brinquedos posicionados fora do campo de visão da cachorra e dos tutores. O resultado foi surpreendente: Gaia identificou corretamente cada um deles, um a um, sem nenhum comando gestual.
Do Brasil para o mundo: reconhecimento internacional
O desempenho impressionou tanto que a pesquisadora Claudia Fugazza, PhD em Etologia e líder do projeto “Family Dog Project”, viajou pessoalmente ao Brasil para conhecer Gaia. Fugazza quis testar a cadela em condições mais complexas: buscar brinquedos no escuro, reconhecer nomes inéditos e realizar escolhas por processo de exclusão — uma habilidade cognitiva avançada que envolve raciocínio dedutivo.
Em um dos testes, os cientistas da BBC colocaram um novo brinquedo, chamado “pirulito”, entre outros dez já conhecidos. Ao ouvir o nome pela primeira vez, Gaia correu até o outro cômodo e trouxe o objeto correto, mesmo sem nunca tê-lo visto.
“É uma habilidade cognitiva impressionante, semelhante à de uma criança”, explicou Fugazza à BBC. “Ela entende que, se todos os outros objetos já têm nomes conhecidos, o novo nome só pode se referir ao brinquedo desconhecido.”
A partir daí, Gaia se tornou uma referência mundial em estudos sobre cognição canina, participando de desafios internacionais e sendo certificada oficialmente pela universidade húngara como uma cadela com talento linguístico excepcional.
A border collie brasileira que virou estudo científico
O reconhecimento científico veio durante a pandemia, quando Gaia participou do “Desafio Internacional de Cães Gênios”, promovido pelos pesquisadores europeus. Na primeira fase, os cães precisavam aprender seis novos nomes em uma semana. Na segunda, doze brinquedos em sete dias. Gaia obteve desempenho perfeito nas duas etapas.
Dois anos depois, os pesquisadores realizaram um teste de memória de longo prazo. Os donos foram orientados a esconder os brinquedos por 24 meses. Quando as brincadeiras recomeçaram, Gaia lembrou o nome de nove dos doze brinquedos — um resultado considerado notável até mesmo entre os cães mais inteligentes do planeta.
Segundo Fugazza, “esses cães são janelas para entender a evolução da linguagem humana”. Ela afirma que, embora apenas 41 cachorros tenham sido oficialmente identificados com esse dom, é provável que existam muitos mais, especialmente em países onde o inglês não é o idioma predominante. “Por isso Gaia é tão importante: ela representa uma ponte entre culturas e mostra que o talento cognitivo não tem fronteiras”, conclui.
Como Gaia aprendeu palavras brincando — e o que a ciência descobriu com ela
Diferente do que muitos imaginam, Gaia nunca foi treinada para aprender palavras. Segundo sua tutora, Isabella Ruiz, o aprendizado surgiu de forma espontânea e lúdica. “A gente não ensinou, ela aprendeu brincando”, contou em entrevista à BBC News Brasil.
Os pesquisadores da Universidade Eötvös Loránd confirmaram: a capacidade de aprender nomes de objetos não pode ser ensinada artificialmente. É um talento inato, que alguns cães simplesmente possuem. Em um estudo com 34 cachorros de diferentes raças, apenas um foi capaz de memorizar nomes de brinquedos após dois meses de brincadeiras controladas.
“Parece ser um dom natural, algo que o cachorro tem ou não”, explicou Fugazza. “Eles aprendem espontaneamente, e não por repetição ou reforço.”
Esse resultado reforça a ideia de que Gaia pertence a um grupo raro de cães cognitivamente diferenciados, cuja curiosidade e disposição para brincar podem estar associadas a uma forma primitiva de compreensão linguística.
Mistério ainda sem resposta: por que apenas alguns cães têm esse dom?
Entre os 41 cães identificados no mundo com essa habilidade, 23 são border collies — uma raça reconhecida por sua inteligência e energia. Mesmo assim, a maioria dos cães dessa raça não possui o talento linguístico de Gaia.
Segundo a pesquisadora, ainda não há uma explicação definitiva. “Pode ser genético, pode ser influência do ambiente, ou talvez uma combinação dos dois”, afirma Fugazza. “Mas o que sabemos é que esses cães não aprendem por treinamento sistemático, e sim de forma natural, enquanto brincam e interagem.”
Além dos border collies, há também labradores, shih-tzus, lulus-da-pomerânia e até vira-latas com a mesma capacidade, distribuídos por nove países — entre eles Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Hungria e Portugal. Essa diversidade sugere que a habilidade de reconhecer palavras não depende apenas da raça, mas de uma combinação de curiosidade, estímulo e convivência intensa com humanos.
Aprender comandos x compreender palavras
Os pesquisadores fazem questão de distinguir adestramento de aprendizado linguístico.
Enquanto o adestramento é baseado em condicionamento — “senta”, “deita”, “fica” —, o aprendizado de palavras envolve associação cognitiva abstrata. Isso significa que o cão entende o som da palavra como um símbolo para um objeto específico, um processo semelhante ao que ocorre em crianças pequenas.
Nos experimentos realizados no escuro, Gaia mostrou que utiliza principalmente a visão para reconhecer os brinquedos. Contudo, quando privada de luz, recorre a outros sentidos, como olfato e tato, para resolver o desafio. Essa versatilidade sensorial é uma das razões pelas quais ela se tornou um dos casos mais estudados pela etologia moderna.
Orgulho brasileiro: Gaia é a primeira cachorra do país reconhecida como “cão gênio”
Gaia foi oficialmente reconhecida pela Universidade Eötvös Loránd como a primeira cachorra brasileira a integrar o projeto internacional de cães com talento linguístico. O certificado, entregue pessoalmente pelos pesquisadores, atesta sua capacidade de memorizar e compreender nomes de objetos de forma espontânea.
A cadela continua participando de novos experimentos e ajudando cientistas a entender como a linguagem evoluiu na espécie humana.
Para Fugazza, estudar Gaia é “como observar o início da comunicação simbólica na natureza”.
“Além de ser emocionante ver uma cadela que entende nomes como um ser humano, o estudo desses cães pode nos ajudar a compreender a própria origem da linguagem”, completou a pesquisadora em entrevista à BBC News Brasil.
E se o seu cachorro for um gênio também?
De acordo com os pesquisadores, se um cachorro reconhece três ou quatro brinquedos pelo nome, pode estar entre os raros “superdotados”. Isso significa que ele possui o potencial de ampliar seu vocabulário para dezenas ou até centenas de palavras, caso seja estimulado.
Para testar, basta seguir as condições do estudo:
coloque vários brinquedos em um cômodo e peça que o cachorro busque o objeto apenas pelo nome, sem qualquer gesto ou comando corporal.
Se ele acertar mais de uma vez, talvez você tenha em casa o próximo cão gênio brasileiro — e quem sabe, um sucessor da incrível Gaia.