As demissões no Itaú por “baixa produtividade” reacenderam o debate sobre os limites do monitoramento eletrônico no trabalho e os riscos de sanções legais e administrativas em meio à expansão do home office e das ferramentas de vigilância digital.
As demissões de funcionários do Itaú sob alegação de “baixa produtividade” no trabalho remoto levaram o Ministério Público do Trabalho (MPT) a instaurar procedimento para apurar as dispensas e os critérios usados pelo banco.
O caso, divulgado em setembro, reacendeu o debate sobre os limites legais do monitoramento eletrônico de trabalhadores e as situações em que essa prática pode gerar multas administrativas e indenizações na Justiça do Trabalho.
O Itaú confirmou os desligamentos e negou demissão em massa.
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Em nota, informou que as decisões resultaram de uma “revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada”, sem detalhar números.
Após a repercussão, sindicatos pediram transparência sobre o uso de ferramentas que acompanham a atividade em computadores corporativos.
A discussão ganhou amplitude e passou a envolver o papel das autoridades de proteção de dados e dos tribunais na regulação da vigilância digital.
ANPD e LGPD: limites e sanções para o controle de dados
No campo administrativo, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) consolidou, em 2023, o Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sanções, que detalha como são calculadas as penalidades previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Segundo o órgão, a definição das sanções observa princípios como finalidade, necessidade e transparência no tratamento de dados pessoais, inclusive em relações de trabalho.
A LGPD prevê, no artigo 52, sanções que variam de advertência à multa simples de até 2% do faturamento, limitada a R$ 50 milhões por infração, além de publicização da infração, bloqueio e eliminação de dados.
Especialistas lembram que, desde 2023, a ANPD já aplicou penalidades pecuniárias, sinalizando que o regime sancionador está em funcionamento.
Em 2024, a ANPD publicou a Agenda Regulatória 2025–2026 e, em setembro de 2025, apresentou o primeiro relatório de execução, que apontou o avanço de ações de fiscalização e regulamentação em temas sensíveis de proteção de dados.
O documento mostra que o monitoramento de trabalhadores segue entre as prioridades do órgão, segundo avaliação de analistas de privacidade.
Decisões da Justiça do Trabalho traçam fronteiras
No Judiciário, decisões recentes ajudam a delimitar o que é considerado controle legítimo e o que configura invasão de privacidade.
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende que o uso de câmeras em ambientes coletivos é permitido quando visa à segurança ou ao acompanhamento de atividades, desde que não ocorra violação da intimidade.
Já a instalação de equipamentos em banheiros e vestiários tem sido considerada ilícita, com condenações por danos morais.
Em 2023, uma empresa foi condenada por monitorar um vestiário de funcionários, caso que consolidou a posição da Corte.
A geolocalização e os registros eletrônicos de jornada também vêm sendo aceitos como meios de prova, desde que respeitados os limites processuais.
Em outro ponto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece que o acesso a e-mails corporativos fornecidos pela empresa é lícito quando se trata de ferramenta de trabalho, não sendo equiparado a correspondência pessoal.
Juristas explicam que essas decisões indicam uma tendência de aceitação do controle sobre instrumentos profissionais, mas rejeitam práticas que atinjam a esfera íntima do empregado.
Caso Itaú e a apuração do MPT
O procedimento do MPT busca esclarecer de que forma as métricas de produtividade foram aplicadas e se houve observância de transparência, proporcionalidade e devido processo nas dispensas.
De acordo com informações obtidas pela imprensa, parte das avaliações teria se baseado em telemetria de máquinas corporativas, que registra tempo de uso e períodos de inatividade.
Fontes ligadas ao órgão afirmam que o objetivo é verificar se o monitoramento atendeu às exigências legais e se o banco informou previamente os empregados sobre os métodos utilizados.
Advogados trabalhistas apontam que a falta de comunicação clara sobre coleta de dados pode representar violação à LGPD e gerar questionamentos tanto na esfera trabalhista quanto na administrativa.
Ainda conforme especialistas, empresas que tratam dados de empregados estão sujeitas a sanções da ANPD independentemente de eventuais decisões da Justiça do Trabalho.
Isso significa que uma mesma conduta pode gerar multas administrativas e indenizações judiciais, a depender do dano e da comprovação do prejuízo.
Monitoramento aceitável e boas práticas
De acordo com advogados e consultores de proteção de dados, o risco jurídico aumenta quando há coleta excessiva de informações, falta de transparência ou uso de ferramentas que capturam conteúdos alheios ao trabalho.
Situações como gravação de áudio ou vídeo em domicílio sem consentimento explícito ou base legal sólida tendem a ser consideradas invasivas.
Por outro lado, práticas que costumam ser aceitas pelos tribunais incluem a limitação do monitoramento a equipamentos corporativos, a formalização de políticas internas claras, o registro da ciência do trabalhador e a documentação da base legal utilizada.
Esses elementos ajudam a demonstrar proporcionalidade e finalidade legítima em eventuais auditorias ou ações judiciais.
A adoção de políticas de privacidade compreensíveis, o fornecimento de equipamentos pela empresa e o respeito ao direito de acesso aos dados (garantido pelo artigo 18 da LGPD) também são apontados como medidas preventivas.
Segundo especialistas, a manutenção de relatórios de impacto à proteção de dados é outra prática recomendada em casos de uso intensivo de métricas de produtividade.
Vigilância digital sob escrutínio
Analistas de privacidade e direito do trabalho avaliam que a tendência é de maior fiscalização sobre o uso de tecnologias de monitoramento, sobretudo quando decisões de alto impacto — como avaliações de desempenho ou desligamentos — se baseiam em dados automatizados.
Com o MPT acompanhando o caso e a ANPD munida de regulamentos específicos, empresas são orientadas a revisar políticas internas e justificar de forma objetiva a necessidade de cada dado coletado em relação à finalidade declarada.
Para juristas ouvidos pela reportagem, o cenário regulatório mostra que o controle de produtividade pode coexistir com o respeito à privacidade, desde que as medidas adotadas sejam proporcionais e transparentes.
Caso contrário, o monitoramento pode ser interpretado como abuso e resultar em penalidades administrativas e judiciais.
A investigação sobre o caso Itaú se tornou, segundo avaliadores do setor, um exemplo de como decisões de gestão baseadas em dados podem gerar repercussões jurídicas em múltiplas esferas.
Em um ambiente em que as fronteiras entre eficiência e privacidade se tornam cada vez mais tênues, como as empresas brasileiras pretendem demonstrar, daqui para frente, que o uso de dados para medir produtividade respeita os direitos dos trabalhadores e as regras de proteção de dados?



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