Durante a Idade Média, animais podiam ser formalmente acusados, julgados e até executados por crimes humanos, refletindo uma visão de mundo em que a justiça era divina e se aplicava a todas as criaturas da Terra
Na Idade Média, a fronteira entre o divino e o terreno era tão tênue que até os animais podiam ser levados ao tribunal. Porcos, cavalos, touros e até gafanhotos eram formalmente acusados de crimes, recebiam advogados de defesa e, em alguns casos, eram condenados à morte.
Esses julgamentos, que hoje parecem absurdos, seguiam protocolos legais rigorosos e eram acompanhados pela população como eventos públicos. A prática revelava uma concepção de justiça que ultrapassava o humano, na qual a punição era uma forma de restabelecer a ordem cósmica e reafirmar o poder da Igreja e do Estado.
Quando a lei alcançava os animais
Os julgamentos de animais foram comuns na Europa entre os séculos XIII e XVII, especialmente em países como França, Suíça, Alemanha e norte da Itália.
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Acreditava-se que toda criatura de Deus estava sujeita às mesmas leis morais e espirituais que os humanos.
Os casos mais graves, como homicídios cometidos por animais domésticos, eram julgados em tribunais seculares.
Já as pragas e destruições de plantações eram responsabilidade dos tribunais eclesiásticos.
A formalidade era surpreendente: advogados de defesa eram designados, testemunhas prestavam depoimento e o réu podia ser sentenciado a penas severas, incluindo execução pública.
O caso do porco de Falaise e outros julgamentos reais
Um dos exemplos mais citados é o julgamento do porco de Falaise, ocorrido na França em 1386.
O animal foi acusado de matar uma criança e acabou condenado à morte por enforcamento.
A execução foi pública e o animal chegou a ser vestido com roupas humanas para simbolizar a punição moral.
Casos semelhantes se espalharam pela Europa. Em 1474, na Suíça, um galo foi julgado por bruxaria após botar um ovo, algo considerado obra do demônio.
O animal foi condenado e queimado vivo. Até mesmo gatos, cabras e bois enfrentaram processos sob acusações de assassinato ou comportamento “anticristão”.
O julgamento das pragas e a excomunhão dos insetos
Nem só os grandes animais eram levados à justiça. Pragas como gafanhotos, besouros e ratos podiam ser formalmente processadas em tribunais eclesiásticos.
As comunidades rurais viam essas infestações como castigos divinos, e o julgamento dos animais era uma tentativa simbólica de restaurar o equilíbrio espiritual.
Havia até advogados designados para defender as pragas.
Em um caso registrado no século XVI, um advogado pediu que um grupo de gorgulhos recebesse um pedaço de terra próprio, onde pudessem viver sem atacar as plantações humanas.
Quando o pedido foi negado, os insetos foram excomungados em uma cerimônia pública, com orações e bênçãos que simbolizavam sua expulsão.
Por que a Idade Média julgava animais
Esses julgamentos refletiam uma visão teológica na qual a justiça não era apenas humana, mas divina. A punição de um animal era entendida como uma forma de apaziguar Deus e demonstrar que a ordem do mundo havia sido restabelecida.
Outro fator era o caráter pedagógico. As execuções públicas reforçavam o poder das instituições e funcionavam como um aviso moral para a população, lembrando que o pecado e a desordem — mesmo vindos de animais — não ficariam impunes.
A superstição e o medo de forças sobrenaturais eram elementos centrais na cultura medieval, e muitos acreditavam que animais violentos podiam estar possuídos por demônios.
Quando a superstição encontrou o direito
A coexistência entre fé e direito fez com que o sistema jurídico da Idade Média incorporasse elementos religiosos em suas práticas.
Os julgamentos de animais eram rituais simbólicos mais do que processos racionais.
Julgar um porco ou excomungar uma praga era, no fundo, uma tentativa de dar sentido a tragédias, pragas e violências que a ciência ainda não explicava.
Com o avanço do pensamento racional e o fortalecimento das leis civis nos séculos XVII e XVIII, essas práticas começaram a desaparecer.
O direito passou a distinguir claramente entre responsabilidade moral e instinto animal, encerrando um dos capítulos mais curiosos da história da justiça.