O avanço da inteligência artificial não está apenas transformando indústrias e empregos. Ele também começa a moldar decisões pessoais de jovens que, até pouco tempo atrás, sonhavam em conquistar diplomas das universidades mais prestigiadas do mundo. Agora, movidos pelo medo do que pode vir com a chamada inteligência geral artificial e pela pressa de garantir espaço no mercado, alguns abandonam a rotina acadêmica em troca de startups e pesquisas voltadas à segurança da tecnologia.
Alice Blair entrou no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em 2023. Pouco tempo depois, tomou uma decisão inesperada: trancar a matrícula de forma permanente.
O motivo não foi financeiro ou acadêmico. Para ela, a inteligência geral artificial (AGI) pode chegar em breve e trazer riscos tão graves que terminar a faculdade não faria sentido.
Hoje, Blair trabalha como redatora técnica no Centro de Segurança em IA, uma organização sem fins lucrativos. Ela não planeja voltar ao campus. “Prevejo que meu futuro está no mundo real”, disse.
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Uma reportagem da Forbes destacou sua trajetória. Segundo a publicação, a escolha reflete uma mudança mais ampla entre estudantes de universidades de elite.
Alimentados pela ansiedade sobre o futuro, muitos começam a questionar o valor de permanecer na escola enquanto a tecnologia avança rapidamente.
Ansiedade entre os estudantes
Um levantamento realizado com 326 alunos de graduação de Harvard reforça essa percepção.
A pesquisa, conduzida pela associação de graduação da universidade e por seu clube de segurança em IA, mostrou que metade dos entrevistados teme pelo impacto da tecnologia em suas carreiras.
Alguns falam em riscos catastróficos de sistemas superinteligentes. Outros, de forma mais imediata, se preocupam com a empregabilidade.
Esse temor leva a escolhas drásticas, como abandonar os estudos ou buscar trabalhos voltados para o desenvolvimento seguro da IA.
Jovens que trocaram a sala de aula pelo mercado
Alice Blair não é caso isolado. O relatório também cita Adam Kaufman, que deixou Harvard no último outono. Ele se juntou à Redwood Research, organização sem fins lucrativos que estuda sistemas de IA potencialmente enganosos.
“Estou bastante preocupado com os riscos e acho que a coisa mais importante a se fazer é mitigá-los”, explicou. Kaufman afirmou ainda que hoje trabalha “com as pessoas mais inteligentes que já conheci em problemas superimportantes”.
Sua decisão inspirou pessoas próximas. O irmão, o colega de quarto e a namorada também saíram de Harvard. Os três foram contratados pela OpenAI.
Temor de carreiras encurtadas
Nem todos deixam os estudos motivados pelo medo de riscos existenciais. Para alguns, a maior preocupação é o mercado de trabalho. Nikola Jurković, formado em Harvard e líder de preparação para IA no grupo de segurança da universidade, é um desses exemplos.
Ele acredita que a automação pode chegar em quatro anos e que a economia estaria totalmente automatizada em até seis. “Se sua carreira estiver prestes a ser automatizada até o final da década, cada ano passado na faculdade será um ano subtraído de sua curta carreira”, afirmou.
Cronogramas agressivos no setor
A ansiedade dos estudantes encontra eco em previsões de líderes do setor. Sam Altman, da OpenAI, declarou que a chegada da AGI pode acontecer antes de 2029. Já Demis Hassabis, do Google DeepMind, sugeriu um prazo entre cinco e dez anos.
Ceticismo e alertas de especialistas
Apesar do clima de apreensão, vozes críticas pedem cautela. Um relatório de 2024, encomendado pelo Departamento de Estado dos EUA, chegou a alertar para risco de “extinção” ligado ao ritmo acelerado do desenvolvimento.
Mas especialistas como Gary Marcus, professor emérito da Universidade de Nova York, rebatem. Ele disse à Forbes que “a extinção humana parece muito, muito improvável”. Segundo ele, problemas centrais, como erros de raciocínio, ainda não foram resolvidos. Marcus classificou como “marketing exagerado” a sugestão de sistemas de nível humano iminentes.
Mesmo assim, ele considera válido o esforço de trabalhar na segurança da IA. Para ele, é uma causa nobre, embora as respostas definitivas ainda estejam longe de aparecer.
O impacto sobre empregos
As previsões sobre o mercado de trabalho também não são otimistas. Estudantes mencionam declarações de executivos e movimentos de contratação como sinal de alerta. O CEO da Anthropic, Dario Amodei, afirmou que a IA pode eliminar metade dos empregos de colarinho branco de nível básico. O desemprego, segundo ele, poderia chegar a 20% nos próximos anos.
Startups como alternativa
Diante desse cenário, alguns alunos preferem fundar ou ingressar em startups. A reportagem cita casos como a Anysphere e a Mercor, que surgiram de desistências acadêmicas e logo levantaram financiamento significativo. Outro exemplo é a dashCrystal, criada por estudantes para automatizar projetos eletrônicos.
Essas histórias mostram como a incerteza pode se transformar em oportunidade. Jovens apostam em ideias ousadas, mesmo que isso signifique abrir mão do diploma.
O peso da escolha
Abandonar a faculdade, no entanto, traz um custo. Dados do Pew Research Center lembram que adultos com diploma de bacharel ou superior ganham, em média, US$ 20 mil a mais por ano do que colegas sem diploma. A diferença pode pesar ainda mais se os empregos de entrada diminuírem.
Investidores veteranos de startups também pedem cautela. Paul Graham, cofundador da Y Combinator, recomendou: “Não abandone a faculdade para começar ou trabalhar em uma startup”.
A própria Alice Blair deixou um aviso. Para ela, sair cedo exige preparo e resiliência. “É muito difícil e desgastante abandonar a faculdade cedo e conseguir um emprego”, afirmou. “Isso é algo que eu só recomendaria a indivíduos extremamente resilientes que sentem que já estão adequadamente preparados para conseguir um emprego na faculdade.”