Com 15 mil km de trilhos e investimento de até US$ 75 bilhões, a África aposta em ferrovias de 250 km/h para integrar economias, impulsionar exportações e transformar sua infraestrutura continental.
Quando o tema são megaprojetos de transporte, o mundo costuma olhar primeiro para Europa, China e Oriente Médio. Mas, silenciosamente, uma transformação ferroviária de escala continental começou a ganhar forma no leste da África, com trechos já entregues, obras em andamento e planos estratégicos detalhados por governos, bancos multilaterais e organismos regionais.
Estão em implantação e fase avançada de planejamento mais de 15 mil quilômetros de linhas férreas, com expectativa de velocidades de até 250 km/h e investimentos estimados em US$ 60 a 75 bilhões, de acordo com relatórios da União Africana, Banco Africano de Desenvolvimento e Conselho Econômico da África Oriental. A proposta une metas logísticas, integração econômica e ambição geopolítica: conectar países inteiros por trilhos modernos, impulsionar exportações e reduzir a dependência histórica de corredores marítimos e fronteiras coloniais.
O grande eixo dessa transformação é o plano integrado de ferrovias de bitola padrão (SGR – Standard Gauge Railway) da East African Community, bloco que inclui Quênia, Tanzânia, Uganda, Ruanda, Burundi e República Democrática do Congo. Em paralelo, o projeto faz parte de uma visão ainda mais ampla: a African Integrated High-Speed Rail Network, política continental anunciada pela União Africana para estabelecer malhas ferroviárias de alta performance entre capitais regionais nas próximas décadas, com suporte técnico e financeiro do Banco Africano de Desenvolvimento.
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Os documentos oficiais mostram uma projeção estrutural que, se cumprida, reposicionará o continente no mapa do comércio global. São previstos:
- Mais de 15 mil km de linhas ferroviárias em implantação e planejamento;
- Velocidades-alvo de até 250 km/h em trechos estratégicos;
- Integração física entre pelo menos seis países na fase leste-central;
- Terminais logísticos conectados a portos estratégicos como Mombaça (Quênia) e Dar es Salaam (Tanzânia);
- Financiamento por consórcios públicos, fundos regionais, Banco Africano de Desenvolvimento e parceiros internacionais.
O modelo é híbrido: trechos inicializados com tráfego misto (passageiros e carga) e previsão de upgrade tecnológico para serviços expressos regionais. Em nações como Quênia e Tanzânia, parte das linhas já opera comercialmente, com foco inicial em locomotivas a diesel e posterior migração para eletrificação em fases futuras.
Como começou: o caso da linha Mombaça–Nairóbi e a expansão para Kampala
O projeto entrou no radar global em 2017, quando o Quênia inaugurou o primeiro trecho do sistema SGR entre Mombaça e Nairóbi. Com 472 km, ele substituiu uma ferrovia do período colonial, ampliou a velocidade média das composições e reduziu o tempo de viagem entre o porto de Mombaça e a capital. Desde então, o país iniciou obras para estender os trilhos até Naivasha e planeja a conexão final a Kampala, a capital de Uganda.
A Tanzânia, por sua vez, está avançando com um dos maiores empreendimentos ferroviários do continente em sua área territorial, com etapas entre Dar es Salaam, Morogoro, Dodoma e Mwanza em diferentes estágios de obra e testes, e capacidade plena prevista acima de 160 km/h, com alguns segmentos projetados para patamar superior.
A lógica é clara: criar um corredor estruturante do Oceano Índico para o interior africano, reduzindo o custo do transporte de minério, grãos, combustíveis, commodities agrícolas e cargas industriais, além de oferecer uma alternativa terrestre às rotas marítimas e corredores rodoviários saturados.
Integração continental e ambição geoeconômica
Ao longo de décadas, a falta de infraestrutura logística integrada foi apontada como um dos principais gargalos ao desenvolvimento industrial e à competitividade de exportação na África Oriental. O novo sistema ferroviário, somado a projetos rodoviários, portuários e energéticos, responde a esse desafio com uma visão estratégica:
interligar cidades, zonas industriais e hubs portuários; estimular zonas econômicas especiais; reduzir custos logísticos e prazos de frete; facilitar o fluxo de pessoas e bens entre estados membros da East African Community; apoiar cadeias de valor agrícola e mineral; e atrair manufatura internacional para corredores logísticos competitivos.
Combinado a acordos comerciais como a Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA), o corredor ferroviário fortalece a posição regional em cadeias globais e pode alterar, no longo prazo, a matriz econômica de nações que historicamente dependem de exportações primárias.
O papel da União Africana e dos bancos multilaterais
A União Africana formalizou a integração ferroviária de alta velocidade como meta prioritária. O Banco Africano de Desenvolvimento apoia estudos de engenharia, consultoria técnico-financeira e processos de contratação. Agências multilaterais internacionais avaliam suporte adicional, seguindo modelos de financiamento utilizados para obras estruturantes em países emergentes da Ásia.
O relatório de planejamento continental destaca marcos como corredores leste-oeste, integração com redes de energia e portos e construção modular por etapas, permitindo entrega progressiva.
Perspectiva e desafios
Apesar da escala e do avanço, há desafios: financiamentos complexos, ambiente macroeconômico global e execução técnica em terrenos diversos. Mas a lógica do projeto segue firme: entregar trechos operacionais, expandir áreas industriais, consolidar parcerias internacionais e transformar a mobilidade regional.
A região já vive mudanças práticas: corredores mais eficientes para cargas, redução de transportes rodoviários de longas distâncias e urbanização acelerada ao redor de estações logísticas. Essa infraestrutura ferroviária, quando integralmente operacional, deve criar um eixo continental dinâmico, reforçando a integração africana num patamar inédito.



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