Associação denuncia prática abusiva da BRF e paralisa atividades: produtores alegam violação da Lei da Integração e uso indevido de poder econômico
A decisão dos produtores integrados de suspender o alojamento de aves em Mineiros marca um novo capítulo nas tensões entre o setor agroindustrial e uma das maiores companhias do ramo alimentício do Brasil. A paralisação, anunciada oficialmente pela Associação dos Avicultores e Produtores Integrados do Sudoeste Goiano, ocorre em meio a acusações de descumprimento contratual e abuso econômico por parte da BRF.
Com mais de 30 anos de atuação no mercado e presença em dezenas de países, a BRF enfrenta agora resistência aberta dos parceiros que compõem a base produtiva da cadeia avícola em uma das regiões mais estratégicas do país. O impasse reacende o debate sobre a Lei da Integração (nº 13.288/2016), criada para regular relações comerciais entre produtores e empresas integradoras, mas que, segundo os avicultores, vem sendo sistematicamente ignorada.
Suspensão imediata das atividades
A partir do dia 23 de julho, os alojamentos de aves mantidos por produtores vinculados à BRF foram suspensos de forma coletiva. A decisão, conforme comunicado da Associação, foi tomada com base no artigo 476 do Código Civil, que assegura a exceção do contrato não cumprido — ou seja, o direito de suspender a execução de obrigações caso a outra parte não esteja cumprindo o combinado.
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“Estamos diante de uma conduta reiterada de desrespeito aos termos contratuais. Não é uma decisão simples, mas é necessária”, afirmou um porta-voz da Associação em nota oficial. Segundo ele, a paralisação continuará por tempo indeterminado até que a BRF restabeleça o equilíbrio econômico-financeiro da parceria e retome as negociações de maneira transparente.
Acusações de abuso de poder econômico
A principal queixa dos avicultores é que a BRF vem promovendo alterações unilaterais nas cláusulas contratuais, sem diálogo prévio, aproveitando-se de seu poder de mercado. As mudanças teriam impacto direto sobre prazos, pagamentos e cronogramas de produção, tornando inviável a manutenção da atividade para muitos pequenos e médios produtores da região.
A Associação sustenta que a conduta da empresa “aparenta má-fé” e contraria os princípios da Lei da Integração, que exige que qualquer revisão contratual seja feita de forma consensual, com base na boa-fé, transparência e equilíbrio entre as partes.
Segundo o advogado agrarista Carlos Henrique Lopes, consultado pelo portal Canal Rural, “a Lei da Integração estabelece critérios claros para a relação entre integradora e integrado. Ao romper com esse modelo legal, a empresa expõe-se a sanções e pode ser responsabilizada civilmente.”
Um modelo de produção em xeque
A decisão dos avicultores de Mineiros pode abrir precedentes importantes no debate sobre o modelo de integração no Brasil. Em tese, o sistema foi concebido para ser uma relação de parceria mútua: o produtor oferece a estrutura e o manejo, enquanto a integradora fornece os insumos, assistência técnica e escoamento da produção.
Na prática, porém, diversas denúncias de desequilíbrio contratual têm surgido nos últimos anos. Um levantamento da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) aponta que mais de 60% dos produtores integrados relatam algum tipo de pressão ou descumprimento por parte das empresas integradoras.
Em 2021, por exemplo, produtores de frango em Santa Catarina também entraram em conflito com a BRF por motivos semelhantes, reforçando a percepção de que há um padrão de conduta empresarial que precisa ser revisto sob a ótica legal e social.
Impacto econômico regional
A avicultura é uma das principais atividades econômicas de Mineiros, município com cerca de 60 mil habitantes no sudoeste de Goiás. A cadeia produtiva local emprega diretamente milhares de pessoas e movimenta dezenas de milhões de reais por ano. A suspensão dos alojamentos, ainda que temporária, já começa a provocar efeitos em cascata, com impacto em cooperativas, fornecedores de ração, transportadoras e frigoríficos da região.
Para especialistas, o episódio reforça a urgência de se fortalecer os mecanismos de fiscalização da Lei da Integração. “O que estamos vendo é um desequilíbrio estrutural na relação de poder. Sem fiscalização e punição efetiva, a lei perde efeito prático”, afirma o economista rural Eduardo Sampaio, ex-secretário de Política Agrícola do MAPA.
O que dizem os próximos passos
Até o momento, a BRF não emitiu nota oficial sobre a paralisação dos produtores em Mineiros. Fontes próximas à empresa afirmam que há tratativas em andamento, mas que o impasse jurídico pode se arrastar caso não haja acordo.
A Associação dos Avicultores, por sua vez, sinaliza que só aceitará retomar os alojamentos após a revisão formal dos contratos e a garantia de que a empresa irá respeitar integralmente os dispositivos legais e as datas previamente estipuladas.