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A usina termosolar mais cara do mundo virou um dos maiores fracassos ambientais, e foi derrubada por pássaros e por simples painéis fotovoltaicos

Escrito por Noel Budeguer
Publicado em 16/07/2025 às 16:41
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Do sonho à vergonha: a planta solar de US$ 2 bilhões virou um matadouro de aves e foi engolida pela energia fotovoltaica

Um dos projetos mais ambiciosos da era Obama, idealizado para provar que a energia solar de concentração podia abastecer milhares de lares mesmo após o pôr do sol, está agora em processo de desmantelamento. A Ivanpah Solar Power Facility, localizada no deserto de Mojave, na Califórnia, foi construída com financiamento federal, apoio do Google e promessas de inovação. No fim, acabou soterrada por falhas técnicas, impacto ambiental e uma tecnologia que envelheceu rápido demais.

Quando os pássaros se tornaram vítimas da energia “limpa”

Desde o início de suas operações em 2014, Ivanpah já chamava atenção pela escala e complexidade: três torres de 140 metros, cercadas por mais de 173 mil heliostatos (espelhos móveis), refletiam a luz solar para aquecer caldeiras no topo das torres e gerar vapor. A proposta era substituir combustíveis fósseis por energia limpa, com a ajuda de armazenamento térmico. Porém, o projeto revelou uma falha fatal: o sistema transformou o local em uma verdadeira armadilha mortal para aves.

Segundo estimativas de biólogos e organizações ambientais, até 28 mil aves morriam por ano, cozidas vivas ao sobrevoar o campo de espelhos concentradores. O calor gerado nos pontos de convergência ultrapassava os 500 °C, suficiente para causar a combustão instantânea das penas. O impacto sobre espécies ameaçadas, como a tartaruga do deserto, também gerou protestos.

Matérias da NPR e National Geographic mostraram que o estudo de impacto ambiental ignorou parte das consequências sobre a fauna local. Em 2016, reguladores ambientais começaram a questionar a viabilidade do projeto.

US$ 2,18 bilhões e um desempenho abaixo do esperado

A usina teve um custo total de US$ 2,18 bilhões, dos quais US$ 1,6 bilhão vieram de empréstimos do Departamento de Energia dos EUA. Os proprietários – NRG Energy, BrightSource Energy e Google – apostaram na tecnologia de torre solar como alternativa promissora à fotovoltaica. Mas o tempo não foi gentil com Ivanpah.

A manutenção dos milhares de heliostatos era cara, as torres sofriam com falhas frequentes de alinhamento e perdas térmicas minavam a eficiência. O projeto, que prometia operação “zero emissão”, acabou usando gás natural para atingir as temperaturas mínimas exigidas pelas turbinas, frustrando os defensores da energia 100% limpa.

O golpe final: energia cara em uma era de painéis baratos

Com o tempo, a energia solar fotovoltaica — aquela dos painéis comuns — ficou cada vez mais barata. Segundo dados da IEA (Agência Internacional de Energia), o custo médio por megawatt-hora da fotovoltaica caiu mais de 80% na última década. Já a Ivanpah, com sua tecnologia ultrapassada, continuava com contratos de energia a preços fixos firmados em 2014.

Foi essa diferença que levou a distribuidora Pacific Gas & Electric (PG&E) a encerrar os contratos de compra com Ivanpah em 2025, alegando que “não fazia mais sentido econômico manter acordos tão caros quando há opções melhores no mercado”.

O relatório do DOE confirma que o projeto não conseguiu atingir as metas esperadas de desempenho, e sua viabilidade comercial foi seriamente prejudicada pelo avanço das tecnologias concorrentes.

Um “boondoggle” de US$ 2 bilhões

Ivanpah foi rotulada por críticos como um “boondoggle” — termo americano que descreve um projeto caro e inútil financiado com dinheiro público. Além do impacto ambiental, a usina nunca entregou o retorno energético prometido. Em muitos momentos, operou abaixo de 60% da sua capacidade nominal, e a dependência de gás natural comprometeu sua proposta original.

O engenheiro David G. Victor, da Universidade da Califórnia, declarou ao The New York Times:

“Ivanpah é uma lição dura sobre o risco de apostar alto em tecnologias que ainda não amadureceram”.

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O que virá depois de Ivanpah?

Com a rescisão dos contratos e o desligamento das unidades, os operadores da usina já trabalham em um plano de transição. A área de 13 km², já equipada com infraestrutura elétrica conectada à rede, deve dar lugar a projetos mais simples: campos de painéis fotovoltaicos com baterias de lítio para armazenamento, alinhados com a tendência global de descarbonização eficiente e barata.

Esse novo modelo segue o caminho de países como a China e a Índia, que têm apostado em usinas solares híbridas com flexibilidade e menor custo de operação. A Ivanpah, que nasceu como ícone de inovação, agora entra para a história como um alerta sobre promessas tecnológicas feitas cedo demais.

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Noel Budeguer

Sou jornalista argentino, baseado no Rio de Janeiro, especializado em temas militares, tecnologia, energia e geopolítica. Busco traduzir assuntos complexos em conteúdos acessíveis, com rigor jornalístico e foco no impacto social e econômico.

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