Ilhas e vilarejos do Japão pagam até R$ 50 mil por criança para atrair moradores e evitar o colapso populacional. Entenda por que isso virou política nacional.
Em meio ao cenário de rápido envelhecimento populacional e cidades cada vez mais vazias, um fenômeno curioso — e real — está ocorrendo em algumas das ilhas e vilarejos mais remotos do Japão. Para muitos, a ideia de ganhar dinheiro simplesmente por se mudar de cidade parece absurda. Mas, para os japoneses que ainda habitam regiões rurais despovoadas, essa tem sido uma das únicas alternativas para manter suas comunidades vivas. E o incentivo da ilha que paga moradores não é pequeno: algumas prefeituras oferecem até ¥1 milhão (cerca de R$ 50 mil) por criança trazida para a região, além de benefícios em moradia, emprego e escola. Os incentivos para morar no Japão são vários.
Esse movimento é parte de um esforço nacional para conter um dos maiores desafios sociais do Japão moderno: o colapso demográfico em regiões rurais, especialmente em ilhas afastadas do continente.
Uma realidade que assombra o Japão: vilarejos fantasmas e escolas sem alunos
O Japão tem a segunda população mais envelhecida do planeta. Estima-se que mais de 28% dos japoneses têm mais de 65 anos, e esse número cresce ano após ano. O reflexo mais visível desse fenômeno ocorre em pequenas cidades do interior e ilhas remotas, onde escolas são fechadas por falta de alunos e bairros inteiros se tornam desertos — verdadeiros “vilarejos fantasmas”.
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Cidades como Okutama, a apenas 90 km de Tóquio, já enfrentam esse processo. Mesmo com sua proximidade da capital, a falta de oportunidades e a vida mais difícil afastaram os jovens. Hoje, mais de 40% dos imóveis estão vazios. Situações ainda mais extremas são vistas em ilhas como Nakanoshima, Kamijima ou Aogashima, onde há mais casas abandonadas do que habitadas.
O bônus de R$ 50 mil por filho: como funciona o incentivo
Como resposta, muitas prefeituras japonesas criaram programas agressivos de repovoamento. O modelo mais conhecido é o que oferece um bônus em dinheiro para famílias com crianças pequenas que aceitem se mudar para essas regiões.
Em média, os incentivos incluem:
- ¥1 milhão por criança (cerca de R$ 50 mil)
- Ajuda de custo com moradia ou até imóveis gratuitos
- Auxílio para encontrar empregos locais
- Subsídios para escolas bilíngues ou alternativas
- Descontos em taxas públicas e até suporte agrícola
Na cidade de Miyakonojo, por exemplo, famílias com três filhos podem receber mais de R$ 150 mil em incentivos cumulativos. Já em vilarejos como Nagoro, famoso por ter mais bonecos do que pessoas, a prefeitura oferece casa gratuita, auxílio para abrir negócio e suporte logístico.
Casas abandonadas: da ruína ao recomeço
Outro elemento que torna o incentivo ainda mais atraente são as chamadas akiya, ou “casas vazias”. Estima-se que existam mais de 11 milhões de imóveis desocupados no Japão, muitos deles em bom estado de conservação. Com o êxodo rural, as prefeituras passaram a oferecer essas casas por preços simbólicos — algumas por valores tão baixos quanto R$ 1.000 ou mesmo de graça.
Essas casas são, muitas vezes, tradicionais, com estruturas em madeira e localização próxima a rios, montanhas ou campos agrícolas. Para os novos moradores, é uma chance de recomeçar a vida com um imóvel próprio, algo cada vez mais distante em grandes cidades como Tóquio ou Osaka.
Mais que bônus: uma vida com propósito e sustentabilidade
As políticas de repovoamento não oferecem apenas dinheiro. Elas vêm acompanhadas de um estilo de vida diferente, onde o tempo corre devagar, a natureza está por todos os lados, e a comunidade local valoriza o contato humano.
Muitos dos que aceitaram se mudar relatam não apenas melhoria na qualidade de vida, mas menor estresse, alimentação mais saudável, maior contato com os filhos e chances reais de empreender em áreas como agricultura orgânica, turismo sustentável ou artesanato.
Além disso, há uma valorização da bioeconomia e da permacultura, com incentivos para quem deseja trabalhar com energia solar, reflorestamento, ou reaproveitamento de materiais locais.
Um modelo que pode inspirar outros países?
A proposta japonesa tem atraído atenção mundial. Em países como Itália, Portugal e Espanha, vilarejos despovoados também passaram a adotar modelos semelhantes — com vendas simbólicas de imóveis, bônus para novas famílias e até incentivos para nômades digitais.
No Brasil, apesar do desafio urbano estar mais ligado à favelização e crescimento desordenado, algumas regiões do interior enfrentam o oposto: êxodo jovem, lavouras abandonadas e escolas vazias. Cidades no semiárido ou em regiões remotas da Amazônia e do Pantanal já manifestaram interesse em políticas de estímulo à migração.
A experiência japonesa, nesse sentido, poderia ser um laboratório inspirador: o uso de moradias abandonadas, subsídios para quem cria raízes em zonas esquecidas e programas locais voltados ao desenvolvimento sustentável rural.
A ideia de “pagar para morar” pode soar excêntrica, mas na prática, representa uma solução criativa para um problema real. À medida que megalópoles se tornam insustentáveis e a população global envelhece, redistribuir pessoas, renda e recursos pode ser essencial para o equilíbrio social.
No Japão, essa reinvenção dos vilarejos — combinando tradição e inovação — é um passo concreto para resgatar o que parecia condenado à extinção. Uma aposta na vida simples, no contato com a terra e em uma nova forma de prosperidade.