No Canadá, a maior operação de petróleo do país derrete areia com vapor para extrair milhões de barris por dia. Saiba como Athabasca virou potência energética global.
Na vasta região norte da província de Alberta, no Canadá, existe uma das operações mais impressionantes da indústria energética mundial. Ali, sob a floresta boreal congelada, está Athabasca — a principal zona de exploração das chamadas areias betuminosas (oil sands), onde bilhões de barris de petróleo estão aprisionados em uma mistura espessa de areia, argila, água e betume. Ao contrário dos campos convencionais, onde o petróleo flui naturalmente, em Athabasca o óleo precisa ser aquecido no subsolo a mais de 250 graus Celsius para se tornar líquido. É nesse cenário extremo que o Canadá se destaca com a aplicação da tecnologia SAGD (Steam Assisted Gravity Drainage), que injeta vapor de água em profundidade para derreter o petróleo e permitir sua extração. É um método caro, complexo, mas que tornou viável a exploração de mais de 160 bilhões de barris recuperáveis, colocando o país entre os três maiores detentores de reservas do mundo, atrás apenas da Venezuela e da Arábia Saudita.
Como o vapor transforma areia em petróleo: a engenharia por trás da produção
No método SAGD, duas perfurações paralelas são feitas horizontalmente no subsolo. A superior injeta vapor em alta pressão para aquecer o reservatório; a inferior coleta o bitume que se torna fluido com o calor. O processo pode levar semanas até atingir a temperatura ideal, mas depois disso o petróleo flui continuamente por gravidade.
Nas áreas mais rasas de Athabasca, onde o reservatório está a até 75 metros da superfície, o petróleo é extraído por mineração a céu aberto. Escavadeiras gigantes removem o solo, que é processado com água quente em instalações industriais para separar o óleo da areia. Apesar de visualmente mais agressivo, esse método representa uma parcela menor da produção atual.
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Grande parte do bitume extraído passa por unidades de upgrading, onde é transformado em óleo sintético leve, adequado para refino. Todo o processo — da extração ao transporte — acontece em temperaturas extremas e em regiões remotas, exigindo engenharia de ponta, logística pesada e estruturas autossuficientes de energia e abastecimento.
Produção em escala nacional: 3,3 milhões de barris por dia
O volume extraído das oil sands canadenses é imenso. Em 2023, a produção ultrapassou 3,3 milhões de barris por dia, e projeções apontam que pode chegar a 3,8 milhões até 2030, mesmo com a pressão por descarbonização. A maior parte desse petróleo vem da região de Athabasca, que concentra os maiores projetos industriais do setor.
Empresas como Suncor Energy, Syncrude Canada, Cenovus Energy, Canadian Natural Resources e Imperial Oil são responsáveis por operações contínuas, 24 horas por dia, mesmo sob condições de inverno extremo. Esses empreendimentos funcionam como cidades industriais: contam com alojamentos para trabalhadores, pistas de pouso próprias, sistemas dedicados de geração de energia e plantas de processamento de alto desempenho.
Boa parte da produção canadense é exportada para os Estados Unidos. Estima-se que mais de 98% do petróleo das areias betuminosas seja vendido ao mercado americano, por meio de oleodutos como o Keystone Pipeline e o Enbridge Line 3, além de ferrovias dedicadas ao transporte de cargas líquidas.
A força econômica que sustenta Alberta — e pressiona o meio ambiente
As areias betuminosas representam mais de dois terços da produção total de petróleo do Canadá e movimentam bilhões de dólares em royalties, tributos e contratos de exportação. Apenas a província de Alberta arrecada mais de 10 bilhões de dólares por ano com o setor, que responde por cerca de 10% do PIB nacional e gera centenas de milhares de empregos diretos e indiretos.
Mas o custo ambiental também é elevado. A produção nas oil sands está entre as mais intensivas em emissões de carbono por barril extraído. O uso intensivo de vapor, a queima de gás natural para aquecimento e o impacto nas bacias hídricas são alvos constantes de críticas. Há também preocupações com a criação de grandes lagoas de rejeitos e com a lentidão nos processos de recuperação ambiental das áreas mineradas.
Em resposta, diversas operadoras investem em tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS), melhorias na eficiência térmica dos projetos SAGD e projetos-piloto de eletrificação do aquecimento com energia renovável. Embora esses avanços reduzam a pegada ambiental, o petróleo canadense continua entre os mais pesados e difíceis de produzir.
Petróleo difícil, mas indispensável na transição energética
Mesmo em meio à transição energética global, o petróleo das areias betuminosas continua relevante. A demanda por petróleo pesado no mercado internacional permanece alta, especialmente por parte de refinarias americanas adaptadas para esse tipo de óleo.
Além disso, o Canadá é visto como fornecedor confiável e geopoliticamente estável — um diferencial num cenário dominado por tensões envolvendo países da OPEP, sanções contra o Irã e instabilidades no Mar Vermelho. Isso fortalece a posição do país como parceiro energético estratégico para o Ocidente.
Com reservas abundantes, infraestrutura consolidada e margens de exportação favoráveis, Athabasca continuará sendo uma das principais fontes globais de petróleo por pelo menos mais duas décadas — mesmo sob pressão crescente por descarbonização e investimentos em energia limpa.