Imagens de uma suposta fenda de 300 km na China viralizaram, mas a realidade geológica da região é um fenômeno ainda mais complexo e perigoso, que combina terremotos, mineração e o afundamento do solo.
A imagem de uma fissura colossal cortando a paisagem da China viralizou em plataformas como o Reddit, alimentando a narrativa de que a Fenda de Shanxi seria uma rachadura de 300 km na crosta terrestre. Muitas vezes associada erroneamente a terremotos recentes, a imagem impressiona, mas representa um equívoco sobre a real geologia da região.
O vídeo viral, no entanto, é enganoso. Mas a verdade é ainda mais alarmante: a província de Shanxi é, de fato, o lar de um dos sistemas de falhas geológicas mais ativos da China. O perigo real não vem de uma única ‘fenda’ espetacular, mas de uma rede de centenas de fissuras no solo, um fenômeno complexo onde as forças da natureza são drasticamente aceleradas pela ação humana.
O vídeo viral e a realidade: não é uma fenda tectônica, é um barranco
A verificação dos fatos revela que o famoso vídeo viral foi filmado no Condado de Pinglu, na província de Shanxi. No entanto, a feição geológica mostrada não é uma fissura tectônica. Trata-se de um barranco (gully) profundo, resultado de erosão fluvial, um processo em que rios e a chuva esculpiram o característico Planalto de Loess da região ao longo de milhares de anos.
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A notável aparência de “rachadura” de alguns desses barrancos se deve ao fato de que os rios frequentemente seguem o traçado de fraturas retas e pré-existentes na crosta terrestre. A imagem é real, mas sua causa é a erosão, não um evento tectônico agudo.
O verdadeiro perigo geológico: o que é o Sistema de Graben da Fenda de Shanxi?
A verdadeira e significativa feição geológica da região é o Sistema de Graben de Shanxi, também conhecido como Bacia de Fenwei. Imagine que a crosta terrestre é como a casca de um pão sendo lentamente esticada: em alguns pontos, ela começa a afundar e a rasgar no meio. Isso é um sistema de rifte continental ativo, e é exatamente o que está acontecendo em Shanxi. A estrutura, em formato de “S”, estende-se por aproximadamente 1.200 km de comprimento.
Esta é uma das áreas sismicamente mais ativas da China. Registros históricos documentam eventos devastadores, como o terremoto de Hongdong de 1303, com magnitude 8.0, um dos mais potentes já registrados dentro de uma placa continental. O sistema de falhas continua ativo, com mais de 32.000 terremotos registrados desde 1970, tornando a região uma zona de perigo constante.
As causas das fissuras: a combinação de terremotos e a ação humana
O principal risco na região da Fenda de Shanxi não é uma única rachadura, mas uma rede de fissuras de solo. Essas fissuras são um “georrisco composto”, onde a predisposição natural é amplificada pela ação humana.
Causa Tectônica: O movimento lento das falhas geológicas profundas cria um campo de tensão que se propaga para a superfície, formando fissuras.
Ação Humana (Cidades): Em áreas urbanas, como a megacidade de Xi’an, a extração excessiva de água subterrânea para uso industrial e doméstico é o principal gatilho. A retirada da água causa o afundamento (subsidência) do solo, que reativa as falhas subterrâneas e abre ou alarga as fissuras na superfície.
Ação Humana (Indústria): Em outras áreas, a mineração subterrânea de carvão é a grande vilã. A remoção do carvão cria vazios no subsolo, levando ao colapso da superfície e à formação de rachaduras que podem ter mais de 2 metros de largura.
O impacto da Fenda de Shanxi na superfície: danos a cidades e à agricultura
As fissuras de solo rasgam o tecido da vida moderna. Elas destroem as fundações de residências, partem estradas e ferrovias ao meio, comprometem a estrutura de pontes e rompem dutos de água. Estima-se que as perdas econômicas no norte da China devido a essas fissuras cheguem a US$ 6,4 bilhões.
O impacto ambiental também é grave. As fissuras aceleram a erosão, degradam a qualidade do solo e podem alterar o fluxo da água subterrânea, contaminando aquíferos. Na agricultura, a instabilidade do solo e a perda de umidade reduzem a produtividade das colheitas, criando um ciclo de degradação da terra.
Monitorando o gigante: como a ciência acompanha a evolução do sistema
Para gerenciar esse risco contínuo, cientistas utilizam tecnologias de ponta. Sistemas de satélite como o GPS de alta precisão e o InSAR (radar interferométrico) são usados para mapear e monitorar a deformação do solo em grandes áreas, com uma precisão de milímetros.
Essas tecnologias permitem criar um mapa detalhado da atividade da Fenda de Shanxi, identificando as áreas de maior risco e fornecendo dados essenciais para o planejamento urbano e a gestão de desastres. A mitigação do problema passa pela gestão integrada dos recursos hídricos, por práticas de mineração mais sustentáveis e por projetos de engenharia que levem em conta a instabilidade do terreno.