Construída por US$ 1,3 bilhão ao longo de 37 anos, a estrada cortou terras sagradas e se tornou um símbolo de conflito no paraíso, sendo celebrada como maravilha da engenharia e condenada como uma “cicatriz” na ilha de Oʻahu.
Na ilha de Oʻahu, no Havaí, existe uma estrada que é um paradoxo. A rodovia interestadual H-3 no Havaí, oficialmente conhecida como John A. Burns Freeway, é ao mesmo tempo uma das mais belas e uma das mais controversas do mundo. Ela corta túneis em montanhas e se eleva sobre vales verdejantes, mas sua história é pavimentada com protestos, batalhas judiciais e um profundo desrespeito a terras sagradas.
Concebida para fins militares na Guerra Fria, sua construção levou 37 anos e custou a impressionante marca de US$ 1,3 bilhão. Em 2025, ela continua sendo um ponto de discórdia: uma maravilha da engenharia para uns, e uma “estrada amaldiçoada” para outros.
A origem da rodovia em 1960
A história da rodovia interestadual H-3 no Havaí começou logo após o território se tornar o 50º estado americano, em 1959. No ano seguinte, em 1960, o Congresso dos EUA autorizou sua construção como parte do Sistema de Rodovias de Defesa Nacional. O objetivo era puramente militar: criar uma rota de alta velocidade para conectar a base naval de Pearl Harbor, no sul da ilha, à Base do Corpo de Fuzileiros Navais na Baía de Kāneʻohe.
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Por ser considerada vital para a segurança nacional, o projeto teve 90% de seus custos financiados pelo governo federal. Essa justificativa de “defesa” seria usada por décadas para superar toda a oposição que viria pela frente.
Como a oposição popular salvou o sagrado Vale de Moanalua nos anos 70
A rota original da H-3 passava pelo Vale de Moanalua, uma área de profundo significado espiritual e histórico para os Nativos Havaianos. A ameaça de destruição mobilizou uma forte coalizão de ambientalistas, moradores e ativistas, que formaram a “Stop H-3 Association” em 1971.
Após anos de batalhas legais, a oposição conseguiu uma vitória decisiva. Em 1976, uma corte federal protegeu o vale, considerando sua importância cultural. A decisão forçou o estado a abandonar a rota original, mas essa vitória teve uma consequência trágica: o projeto foi desviado para o vale vizinho, o Vale de Hālawa, um local que se revelaria ainda mais sagrado.
A profanação e os protestos no Vale de Hālawa
Com a mudança da rota, o conflito se intensificou. No novo traçado, arqueólogos descobriram um complexo de templos (heiau) de imensa importância religiosa. A polêmica explodiu em 1992, quando um arqueólogo do Museu Bishop, Barry Nakamura, denunciou que a instituição estava minimizando as descobertas para não atrasar a obra, e acabou sendo demitido.
A demissão foi o estopim para protestos. Ativistas nativos ocuparam os locais sagrados para protegê-los fisicamente. O confronto atingiu o clímax em agosto de 1992, quando manifestantes que bloqueavam a passagem de caminhões de construção foram presos. O evento foi um marco doloroso, consolidando a imagem da H-3 como um projeto imposto à força contra a comunidade local.
Engenharia de US$ 1,3 bilhão: A obra que levou 37 anos para ficar pronta
A saga da construção da H-3 é tão dramática quanto sua história social. O orçamento original, de US$ 250 milhões, explodiu, chegando a um custo final de US$ 1,3 bilhão, o que a torna uma das rodovias mais caras do mundo por quilômetro.
A obra só foi concluída graças a uma poderosa intervenção política. Em 1986, com o projeto paralisado por decisões judiciais, o Senador americano Daniel K. Inouye usou sua influência para aprovar uma lei que isentava a H-3 das leis ambientais que a bloqueavam. Essa manobra anulou as vitórias da oposição nos tribunais e permitiu a retomada da construção em grande escala, que só terminaria em 12 de dezembro de 1997.
Amaldiçoada ou maravilha da engenharia? O legado da rodovia em 2025
Hoje, a rodovia interestadual H-3 no Havaí é um lugar de contradições. Por um lado, é celebrada como uma maravilha da engenharia. Suas vistas dos viadutos sobre os vales e a saída dos túneis para a Baía de Kāneʻohe são espetaculares, atraindo turistas e fotógrafos.
Por outro lado, ela carrega o apelido de “Estrada para o Nada” e “estrada amaldiçoada”. Para muitos, seu propósito militar da Guerra Fria é obsoleto, e seu traçado não serve bem aos moradores locais no dia a dia. Para a comunidade nativa, ela permanece como uma cicatriz na paisagem e na alma da ilha, um lembrete permanente de uma batalha perdida e de terras sagradas que foram profanadas em nome do progresso.