Entenda como o anúncio histórico da Eneva na Bacia do Amazonas foi ofuscado por uma crise de confiança, revelando os imensos desafios de operar na maior floresta do mundo
Uma nova descoberta de petróleo em terra firme na Amazônia, anunciada pela empresa Eneva, tinha tudo para ser uma notícia celebrada pelo mercado. O evento, ocorrido em 2024, marcou a abertura de uma nova e promissora fronteira de exploração na Bacia do Amazonas. No entanto, o que se viu foi o oposto: no dia do anúncio, as ações da empresa despencaram, liderando as perdas na bolsa de valores.
O paradoxo revela uma realidade complexa. A notícia positiva foi completamente ofuscada pela divulgação simultânea de uma forte queda nas reservas de gás da empresa na mesma região. Para os investidores, o alerta soou alto, expondo os gigantescos riscos logísticos, ambientais e sociais que transformam a exploração de petróleo e gás na Amazônia em um empreendimento de altíssimo risco, onde cada passo é uma batalha.
O que a Eneva encontrou? O anúncio de 15 de fevereiro de 2024
O marco histórico ocorreu em 15 de fevereiro de 2024, quando a Eneva comunicou à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a viabilidade comercial de um novo campo. Localizado na Bacia do Amazonas, o Campo de Tambaqui representa a primeira descoberta de petróleo em terra firme da empresa na região, diversificando suas operações que, até então, eram focadas em gás natural.
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O anúncio confirmou volumes comercialmente viáveis de óleo e condensado, um tipo de petróleo leve de alto valor. A descoberta, fruto de um investimento de R$ 550 milhões apenas na fase de prospecção, posiciona a Eneva como uma operadora relevante na Bacia do Amazonas, uma área geologicamente promissora, mas ainda pouco explorada em comparação com a vizinha Bacia do Solimões.
A boa notícia que virou um problema, a queda nas reservas de gás
De forma surpreendente, o mercado reagiu mal. As ações da Eneva (ENEV3) caíram mais de 3% no dia do anúncio. O motivo foi uma outra informação, divulgada no mesmo dia em um relatório de certificação: as reservas de gás provadas e prováveis (2P) da empresa na Bacia do Amazonas foram reduzidas em cerca de 30%.
A revisão negativa gerou uma crise de confiança. Investidores questionaram se a empresa não havia sido otimista demais em suas projeções iniciais. Para um projeto de longo prazo, onde o gás do Amazonas é a garantia para abastecer usinas termelétricas por mais de 20 anos, uma queda tão acentuada nas reservas acende um sinal de alerta sobre a sustentabilidade futura da operação. A desconfiança superou a euforia da nova descoberta.
O quebra-cabeça da Amazônia, como tirar o petróleo e o gás da floresta?
O maior desafio para a exploração na Amazônia não é encontrar recursos, mas sim transportá-los. A região não possui infraestrutura como gasodutos ou grandes rodovias, o que exige soluções logísticas complexas e caras.
Para seu campo de gás de Azulão, a Eneva já opera um “gasoduto virtual”: o gás é liquefeito (transformado em GNL) e transportado por 1.100 km em carretas criogênicas até uma usina em Roraima. Para a nova descoberta de petróleo em terra firme em Tambaqui, a solução deve ser semelhante. O plano mais provável envolve um modelo multimodal, transportando o óleo em caminhões até um terminal fluvial e, de lá, em balsas pelo Rio Amazonas até a Refinaria de Manaus (REMAN) ou portos para exportação.
A disputa judicial e com os povos indígenas
Além da logística, a Eneva enfrenta uma complexa batalha legal e social. O licenciamento ambiental do projeto, concedido pelo órgão estadual IPAAM, é questionado pelo Ministério Público Federal (MPF). O MPF argumenta que, pela escala do projeto, a licença deveria ser federal, emitida pelo IBAMA, que é tecnicamente mais rigoroso.
Outro ponto de conflito é a acusação de falta de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas Mura e Munduruku, cujos territórios estão na área de influência do projeto. A consulta é uma exigência da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Um laudo técnico do próprio MPF criticou duramente o estudo de impacto ambiental da Eneva, alegando que os danos foram subestimados. Essa disputa judicial e a falta de uma “licença social” para operar são, hoje, os maiores riscos para o futuro da nova fronteira de petróleo na Amazônia.